União Europeia aposta em parcerias público-privadas de guerra

O maná dos negócios de guerra decididos por governos e subcontratados a grupos privados cresce exponencialmente na África depois dos “bons resultados”, segundo os interessados, obtidos no Iraque e no Afeganistão. A União Europeia é uma das entidades mais ativas na criação de parcerias público-privadas de morte.

Por Sylvie Moreira, de Paris, e Pilar Camacho, de Bruxelas para o Jornalistas sem Fronteiras

GardaWorld - Canadian Business

O Serviço de Ação Externa da União Europeia (SAE), ainda dirigido pela baronesa Catherine Ashton – mas que pode vir a ser tutelado pelo ministro polaco dos Negócios Estrangeiros Sikorski, um dos artífices do golpe de Estado na Ucrânia – abriu o leilão para renovação dos serviços de proteção da delegação da União Europeia em Trípoli, na Líbia.

Os serviços de proteção da delegação, tornados indispensáveis devido à situação de guerra e desmantelamento da Líbia, de que a União Europeia é uma das entidades responsáveis, têm vindo a ser desempenhados pela Argus Security Project, uma empresa privada registrada em Chipre, mas que foi fundada em 1997 na Hungria e cujos negócios floresceram com as situações de guerra nas Bálcãs.

A Argus tem “um gabinete de ligação” com a União Europeia em Bruxelas, desenvolveu uma filial na Líbia e tem missões em curso designadamente no Iêmen e no Sudão do Sul, onde “colabora com tropas internacionais”. O Sudão do Sul é o mais recente “redesenho de fronteiras” determinado pela comunidade internacional para supostamente resolver uma guerra que continua a ser travada em pleno.

Além da Argus concorrem para a proteção da delegação da União Europeia em Trípoli a canadense GardaWorl e a francesa Amarante. A GardaWorld ganhou anteriormente o “concurso” para proteção da EUBAM, a Missão da União Europeia para a Assistência de Fronteiras na Líbia, mas o processo foi contestado em recurso pela Argus.

Sobre a “transparência e ética de tais processos”, diz-se em Bruxelas no interior do próprio Serviço de Ação Externa, “basta ver que o Conselho Europeu foi obrigado a acionar o Gabinete Anti Fraude devido a casos de desaparecimentos de armamentos nestes ambientes”.

“Em março deste ano”, revela a mesma fonte, “foram roubadas cerca de 20 caixas de armas e munições no aeroporto de Trípoli que tinham a GardaWorld como destino. Na circunstância a empresa afirmou que se viu obrigada a comprar armas a uma concorrente britânica para desempenhar a missão de proteção da EUBAM”. A empresa parceira da GardaWorl na Líbia é a Safety International, registrada no Kuwaiy.

Para “apoiar” os cerca de mil soldados que tem vindo a instalar na República Centro Africana, a União Europeia escolheu o grupo francês EDA (Economat des Armes), de propriedade estatal mas que, por sua vez, recorre também aos serviços do grupo privado Ecolog, com registro nos Emirados Árabes Unidos (EAU). A escolha desta parceiro está a ser igualmente contestada por outros que se apresentaram a concurso como o norte-americano Supreme Group e o francês Losberger.

“Estes grupos não estão muito convencidos quanto à transparência dos resultados, porque a EDA já tem uma outra parceria com a Ecolog para ‘apoiar’ também as ‘forças de manutenção de paz’ da ONU no Mali”, explica Louis Lampard, pacifista canadense que se dedica a investigar os aspectos globais da privatização da guerra.

“As francesas Aden e Sodexho estão revoltadas com a ligação da EDA à Ecolog, tanto mais que consideram o Mali como uma zona preferencial de intervenção da França”, declara Lampard
Além da União Europeia, praticamente todas as instituições internacionais como as Nações Unidas, a NATO, a União Africana, além do caso amplamente conhecido do Pentágono, subcontratam empresas de segurança e de logística nas guerras de intervenção que vão realizando sejam sob a capa de “missões humanitárias”, sejam “outros disfarces”, afirma o investigador canadense.

Citou o caso do grupo francês de telecomunicações Thales, que neste momento transfere as suas torres de comunicações, alugadas à NATO no Afeganistão, para a República Centro-Africana, agora ao serviço da EUFOR, a Força de Reação Rápida da União Europeia.

“O grupo Thales também já está presente no Mali, ao lado da France Expertise Internationale, para apoiar as forças da Minusma, um corpo de intervenção de facto da Otan embora sob as cores das Nações Unidas, como já aconteceu anteriormente nos Bálcãs”, afirma Louis Lampard.

“A mistura de interesses, de cumplicidades públicas e privadas e de dinheiros, tudo isto à volta de uma florescente indústria global de morte, é impressionante e creio estar ainda numa fase quase embrionária, a de eliminar gradualmente conceitos de soberania, de ética, dignidade militar e até de concorrência empresarial, cada vez mais considerados ‘anacrônicos’ e incompatíveis com o mercado livre”, considera Lampard.

Cita, como “um caso exemplar”, o que acontece na República Centro Africana, onde a NATO e a União Europeia recorrem à empresa privada francesa Gallice Security para treinar forças públicas policiais e de choque, em parceria com as Nações Unidas. O financiamento dessas operações é sustentado pelo homem de negócios Laurent Fouchet, com atividades mineiras no Congo e proprietário da Niel Telecom, com sede no Luxemburgo e que se dedica a gerir as telecomunicações “nos países emergentes e também na República Centro Africana”. A sede principal dos negócios de Fouchet é o Mônaco.

“Estão nascendo verdadeiras parcerias público privadas para exportação de guerra”, observa Louis Lampard. Exemplifica o caso da empresa privada de segurança francesa Geos, que no Afeganistão protege as torres de comunicações Thales alugadas pela Otan e que “na República Centro Africana desempenha funções de manutenção e logística para a Força de Intervenção Rápida da União Europeia, enquanto os militares deste destacamento têm como missão proteger as antenas de satélites e os materiais de telecomunicações instalados pela Geos”.

Fonte: Jornalistas sem Fronteiras