Albano Nunes: De novo o Iraque

A situação no Iraque se torna cada vez mais complexa e tensa. No artigo a seguir, publicado no jornal Avante!, do Partido Comunista Português, o autor analisa e denuncia os planos imperialistas para a região do Oriente Médio sob o pretexto de “combate ao terrorismo”.

Por Albano Nunes*, no jornal Avante!

Sede do Ministério do Petróleo no Iraque

De novo o Iraque. De novo um misterioso bando de “terroristas”, semeando a morte e a destruição. De novo a orquestração de dramáticos apelos à intervenção militar salvadora dos EUA. De novo densas cortinas de fumo a ocultar o significado da súbita emergência do “Estado Islâmico do Iraque e do Levante” (EIIL) e do papel deste filho-da-al Qaeda-filha-da-CIA no complexo xadrez de uma região petrolífera, onde o imperialismo, depois dos sérios reveses sofridos, procura relançar a agressão à Síria e a pressão para submeter o Irã.

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É imperioso desmascarar uma informação manipulada e maniqueísta em que os “bons” são o imperialismo e seus fantoches e os “maus” são sempre “terroristas” e “fanáticos”, num confronto sem fim em que não há forças com ideais e em que nem a luta de classes nem a questão nacional existem. E donde a memória histórica está completamente ausente, pois essa é a melhor maneira de transformar aqueles que são os piores e mais cruéis inimigos dos povos árabes em seus protetores e apresentar como libertador o violento processo de espoliação e recolonização planetária em curso.

É por isso oportuno lembrar que o povo iraquiano deu à civilização universal uma contribuição valiosíssima, foi protagonista de heroicas lutas, e que a dramática situação do seu país é fruto da ação do imperialismo visando apoderar-se das suas riquezas e impedir a transformação progressista do Iraque e demais povos árabes. É necessário não esquecer a luta das grandes potências pela repartilha do mundo que conduziu à catástrofe da primeira guerra mundial, a desagregação do Império Otomano que estendia os seus tentáculos até ao Iraque, a partilha anglo-francesa da região com a transformação do Iraque num protetorado inglês sob a vigilância dos EUA a prepararem-se para tomar o lugar da Inglaterra como potência dominante.

A resistência ao domínio estrangeiro é uma constante entre as duas guerras. Sob a influência da derrota do nazi-fascismo e do prestígio da URSS e da sua política de solidariedade internacionalista, o movimento de libertação nacional dos povos árabes conhece um vigoroso ascenso. A Síria e o Líbano tornam-se independentes. Dá-se a revolução nasserista no Egito e o fiasco imperialista no canal do Suez.

No Iraque desenvolvem-se grandes lutas populares conduzidas pela pequena-burguesia nacional, sempre contraditória, mas em que a classe operária e o seu prestigiado Partido Comunista desempenham um importante papel. Num acidentado processo iniciado com a revolução de 1958 que derrubou a monarquia de Faisal II, forma-se, dez anos depois, um governo nacionalista presidido por al Bakr que nacionaliza a Iraq Petroleum Company, mas que Saddam Hussein subverte passando-se abertamente para o campo do imperialismo.

A partir daí é o que sabemos: repressão dos comunistas e demais forças patrióticas, guerra contra o Irã visando a liquidação da sua revolução popular, invasão do Kuweit dando pretexto para uma brutal guerra de agressão e à célebre proclamação da “nova ordem mundial” de Bush sobre as ruínas da URSS. Por fim, quando deixou de servir a estratégia do dono, assistimos à diabolização de Saddam, à montanha de mentiras em que assentou a invasão de 2003 e à destruição de um grande país para que os negócios das multinacionais pudessem prosperar.

Lembrar tudo isto é apontar o dedo aos criminosos responsáveis pela nebulosa do EIIL que está a servir para justificar uma nova escalada militar agressiva dos EUA na região de consequências difíceis de prever.

*Albano Nunes é membro do secretariado do Partido Comunista Português

Fonte: Avante!