Rennan Martins: O Sionismo, Israel e as políticas genocidas 

O presente artigo tem por finalidade traçar um breve histórico do Sionismo e suas origens, e em seguida analisar a retórica das autoridades israelenses em torno das tensões históricas com o povo palestino na Faixa de Gaza, para então comparar esta com as reais políticas implementadas na localidade.

Por Rennan Martins*, no Portal Desenvolvimentistas 

Israel bombardeia alvos indiscriminadamente em Gaza. - Malta Today/Reprodução

Sustento nele a tese de que há distorção deliberada da realidade por meio de narrativas favoráveis, primeiramente produzidas pelas autoridades governamentais do Estado de Israel. Estas narrativas são reverberadas acriticamente pelos grandes meios de comunicação ocidentais, principalmente os norte-americanos. A atuação integrada entre os elementos citados fabrica o consenso da opinião internacional acerca da tolerância aos sistemáticos crimes de guerra e de lesa-humanidade praticados por parte do regime sionista.

O Sionismo: histórico e visões

O ensaio de Hanna Braun, datado de 2001 e intitulado A Basic History of Zionism and its Relation to Judaism, traça um histórico esclarecedor do movimento sionista político – o que impulsionou a posterior fundação do Estado de Israel, em 1948. Vejamos algumas informações que nele constam.

Seu fundador foi o jornalista Theodore Herzl (1860 – 1904), judeu nascido em Viena. Herzl foi enviado a Paris em 1894 para cobrir o caso Dreyffus, que trouxe a luz um forte antissemitismo, tanto no alto escalão das Forças Armadas, quanto na imprensa francesa.

Ao se deparar com esta pesada carga de antissemitismo, Herzl chegou a conclusão de que os judeus só teriam paz quando formassem seu próprio Estado, e assim passou a divulgar a causa denominada sionista.

Na época ganhou projeção, o que o aproximou de diversas autoridades e diplomatas. O resultado foi o Império Britânico, maior potência mundial daqueles tempos, oferecendo a Uganda ou a Argentina como possíveis locais para construção de um país judeu.

Porém, já no primeiro Congresso Sionista, realizado em 1897, na cidade de Basle, Herzl deparou-se com a majoritária parte do movimento – a dos judeus ortodoxos do leste europeu – aliados em torno da ideia de não aceitar outra terra que não a de Sião. Esta corrente iniciara a ocupação por meio da compra das terras palestinas e se guiavam mais por valores religiosos do que por um sentimento nacionalista.
Herzl aderiu a tese da volta a Sião antes mesmo do congresso citado, e em seu livro Der Judenstaat (O Estado Judeu) deu o tom, declarando que o futuro país seria “uma trincheira da Europa contra a Ásia, da civilização contra a barbárie”, conclamava ainda que os sionistas deveriam se negar a cooperar e trabalhar com não-judeus após ocupação da Palestina.

Estes princípios norteadores prevaleceram, mesmo sob os protestos das lideranças árabes, que denunciavam as políticas de não contratação e boicote ao comércio que sofriam. Em 1919, o primeiro-ministro britânico, Lord Balfour, assim escreveu: “Na Palestina, nós nem mesmo propomos consultar os habitantes. As propostas e anseios imediatos (dos sionistas) para seu futuro são muito mais importantes que as demandas e prejuízos dos 700.00 árabes que hoje vivem na Palestina.”

Os primeiros levantes palestinos se deram na terceira década do século XX. O pior destes fora o de 1929, quando massacrou-se 65 judeus. Estas revoltas foram alimentadas, principalmente, pelas hostilidades praticadas pelos judeus do leste Europeu que para lá migraram.

A autora, que exilou-se na Palestina em 1937 para escapar da Alemanha Nazista e em 1958 emigrou para a Inglaterra, desiludida com o Estado israelense, prossegue relatando muito do que vivenciou, chegando a alegar que Hitler foi simpático com o sionismo “assim como outros movimentos da direita antissemita”. Concluiu ela que Israel caminha para uma perigosa teocracia “muito parecida com o Talibã”.

Com análises também pertinentes e corroborantes com a visão de Braun, temos Hannah Arendt, filósofa alemã de origem judia, que na década de 40 diagnosticou diversas contradições da doutrina sionista, estas observáveis ainda hoje.

Arendt considerava impossível a construção da paz em um país que encara seus vizinhos como inimigos, enxergava o nacionalismo sionista como dependente de uma potência estrangeira, considerando que este só conseguia agir pela força bruta.

Em 1944, em seu livro Zionism Reconsidered, alertava: “Judeus que conhecem sua história sabem que esta situação gerará uma nova e inevitável onda de ódio aos judeus; o antissemitismo de amanhã notará que os judeus não somente lucraram com a presença de uma grande potência estrangeira como a premeditaram e, por isso, são culpados das consequências…”

Arendt previu, em 1948, que o futuro de Israel seria algo como a cidade de Esparta, em que a cultura judaica seria desprezada, e o país giraria em torno das estratégias militares.

O conflito em Gaza: retórica e fatos

A mais nova investida israelense na Faixa de Gaza teve início depois do assassinato de três jovens israelenses, que tiveram seus corpos encontrados no dia 30 de junho, em Hebrom. Este crime rapidamente foi retaliado por grupos judeus radicais os quais queimaram vivo um rapaz palestino.

O governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu se prontificou a imputar a autoria do crime contra seus cidadãos ao Hamas, conseguindo pretexto pra mais uma brutal intervenção militar que já deixou 1865 palestinos mortos, 408 deles crianças. Em meio ao conflito, descobriu-se que o Hamas não tinha parte no crime em questão, mas esse é um mero detalhe para os sionistas.

Por trás da retórica da autodefesa e do combate ao terrorismo, o que se encontra é a intenção de sufocar a existência dos palestinos em Gaza, para assim ocupar todo o território com colonos etnicamente compatíveis a um Estado judeu.

O argumento do combate ao terrorismo é repercutido pela mídia ocidental sem o mínimo de reflexão. Este não se sustenta, tendo em vista que a lei internacional reconhece que a resistência a uma ocupação estrangeira é legítima e não configura terrorismo. Os atos terroristas são isolados se levarmos em conta essa questão.

É também extremamente incompatível com a realidade alegar que Israel pratica autodefesa. Enquanto a imensa maioria dos foguetes do Hamas nem sequer atinge o solo israelense, o que vemos é Israel bombardear 6 escolas da ONU nos últimos ataques, destruindo até mesmo a única usinade energia palestina. Tudo isso com a cumplicidade dos Estados Unidos, que aprovaram nos últimos dias uma ajuda de 225 milhões de dólares, ajuda esta que visa recompor os sistemas de misseis “de defesa”.

Outra distorção que praticam, em conjunto com os meios de comunicação é declararem-se uma democracia contra o autoritarismo dos muçulmanos. Israel não possui nem mesmo constituição, está a mercê de qualquer arbitrariedade das autoridades sionistas. A atuação da imprensa é submetida a censura, que advertiu até mesmo o New York Times no último dia 2. Pouco se fala sobre este extremo autoritarismo, porém, trata-se de autocensura dos veículos favoráveis, pois, quando questionada sobre esta prática, a chefe da polícia federal israelense, Jodi Rudoren, alegou que todos devem submeter-se a ela “assim como as leis de trânsito ou qualquer outra lei do país”.

Temos também a falácia que diz que o Hamas usa civis como “escudo humano”. Esta cai por terra quando constatamos o bombardeio a escolas citado, mas fica ainda mais evidente se lembrarmos do ataque de mísseis que matou 4 crianças palestinas que brincavam numa praia em Gaza, no último dia 15. Este foi testemunhado e relatado pelo correspondente do The Guardian, Peter Beaumont.
Mas, por vezes, os articulistas escalados na promoção e defesa das práticas sionistas pecam pela sinceridade, e acabam nos expondo a verdade. No último dia 1, o Times of Israel publicou artigo intitulado When Genocide is Permissible, no qual o autor Yochanan Gordon defende que em circunstâncias específicas o genocídio não é somente permissível mas necessário. A publicação foi tirada do ar, mas o cache está disponível.

A real razão desta nova investida se dá na histórica aliança entre Fatah e Hamas, que formaram no início do ano uma coalizão governamental. Este ganho de força e representatividade palestina não pode ser tolerado por Israel e suas políticas colonialistas e higienistas.

Israel procura inviabilizar de todas as formas a existência dos palestinos e um dos principais meios para isto é o bloqueio econômico, vigente desde 2006. Qualquer entrada ou saída de mercadoria da Faixa de Gaza está sujeita a primeiramente o arbítrio das autoridades israelenses quanto a pertinência e conveniência da transação, se aprovada, inserem nela ainda os impostos.

O desemprego na região é de 40% e a população local precisa de constante ajuda humanitária. Além disso, Israel controla os recursos hídricos de Gaza, que não tem acesso ao mínimo per capita necessário para uma vida digna.

No último dia 5, a alta comissária das Nações Unidas, Navi Pillay, declarou que Israel tem “a necessidade agora mais do que nunca para que se assumam responsabilidade pelas crescentes evidências de crimes de guerra e um número nunca visto de vítimas civis, incluindo crianças”.
Fidel Castro pronunciou-se em artigo publicado originalmente no Granma, também no dia 5, com uma interessante reflexão: “O genocídio dos nazistas contra os judeus colheu o ódio de todos os povos da terra. Por que acredita o governo desse país que o mundo será insensível a este macabro genocídio que hoje está cometendo contra o povo palestino? Por acaso se espera que ignore quanto há de cumplicidade por parte do império norte-americano neste massacre desavergonhado?”

Israel e EUA mantinham a opinião pública concordante ao massacre em Gaza por meio da censura israelense concomitante ao circo midiático que fabricava o consenso. Passaram a ser derrotados moralmente pela divulgação de informações reais que a massificação das tecnologias de mídia tornou possível. Esse é o início da queda da tirania. 

**Rennan Martins é editor e blogueiro do portal Desenvolvimentistas.