Urariano Mota: Eduardo Campos fez leão sem norte voltar a rugir

Para o ex-governador de Pernambuco, o recifense Eduardo Henrique Accioly Campos, em primeiro lugar nos choca o inesperado da sua morte. Diria mesmo, atento aos limites do gênero do palco, como uma lembrança do que da vida se reflete no teatro, nele nos comove primeiro a tragédia. É a partir desse ponto que esperamos alcançar uma iluminação para estas linhas.

Por Urariano Mota, do Recife*

Eduardo Campos em Juazeiro do Norte. Por Urariano Mota | Do Recife

Neto de Miguel Arraes, presidente do PSB, ele era um predestinado – se assim entendemos a tendência dos laços da história e familiares da sua vida. E para esse futuro ele seguia, se tudo fosse apenas fruto da predestinação. Mas os próprios laços anteriores traziam em si uma ordem, como o socialismo do avô, que Eduardo Campos traduzia para feições mais modernas, atualizadas, como pensava. Mais, entre o objetivo e o passado havia um presente , que também é histórico, que Eduardo almejava contornar com uma habilidade rara.

Na tragédia, o herói se move contra o destino, que o personagem não aceita, e daí vem a sua grandeza. Isso, que alcança o sublime no teatro grego, também possui uma versão na história. Mais de uma pessoa já observou que Eduardo Campos morre no mesmo dia 13 de agosto do avô, Miguel Arraes. Mas as semelhanças talvez terminem aí. A começar do próprio momento da sua morte. Com ele não acontecem os obituários prévios, como houve na morte do avô Arraes, depois de uma longa agonia. Em 13 de agosto de 2005, foi aberrante o descompasso na imprensa brasileira entre a grandeza do homem que partia e os necrológios publicados.

Em 2005, Miguel Arraes de Alencar encerrava sua vida depois de quase dois meses internado em um hospital. Na altura de lúcidos e incansáveis 88 anos de idade, tempo, importância, fatos e história não haviam sido pequenos. Os obituários que passavam diante dos olhos, porém, eram todos redigidos e arquivados como se ele passasse por nós como uma sombra do golpe de 1964, como um sobrevivente que resistisse a nos lembrar aquela infâmia, com uma insistência cujo desagrado era inevitável. E nem precisariam compor uma hagiografia, um perfil de santo, o mais convencional e falso perfil que se faz de alguém que morre.

Com Eduardo Campos, que não teve tempo de tornar pleno o ser da sua vida, os artigos hoje se fazem à quente, e com o sangue da hora. E poderemos ser mais justos, creio. A morte sempre absorve o exagero do instante final contra o que de fato houve no transcorrer de uma vida, por um lado. Por outro, ela nos dá uma dimensão, pela cadeira vazia, do que antes não sabíamos, ainda que houvesse a pessoa diante dos olhos. E neste caso, avulta o político jovem, democrata, inteligente, que se vai na explosão de uma aeronave.

Nele havia uma capacidade de fazer amigos, de fazer críticas políticas que não atingiam o nível pessoal, ou o desrespeito ao adversário. Nisso, ele era um seguro herdeiro do avô Miguel Arraes. Mas era um equilíbrio difícil, já se vê, na medida em que abraçava contrários, ex-adversários, como Jarbas Vasconcelos, e se voltava para um canto distante de quem antes havia abraçado. E devemos pular até a próxima frase. Já se vê também que difícil é o equilíbrio de quem escreve: revelar o verdadeiro que percebemos, ao mesmo tempo que relevamos pontos nevrálgicos, neste momento preciso do desaparecimento trágico, em mais de um sentido, de um grande brasileiro. Então lembremos um governador que marcou época em Pernambuco.

Do seu perfil eleitoral anotamos que entre 2007 e 2011, Pernambuco registrou um crescimento de 14,8% no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – Ideb. O número é mais de duas vezes superior à média nacional de 6,2%. Pernambuco tem hoje a maior rede de Escolas de Referência do Brasil, com, 260 unidades. De acordo com pesquisa do Inep, somente em 2012 mais de 85 mil alunos foram matriculados – o que corresponde a 10 vezes mais que a média nacional de 8.509. Em 2013, foram 163 mil alunos matriculados. A Educação Profissional foi ampliada e atualmente 26 Escolas Técnicas estão em funcionamento no estado. O Programa Ganhe o Mundo levou 2.270 alunos para intercâmbios em países como Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia, Chile, Argentina e Espanha.

De prêmios recebidos, deveríamos lembrar… não, basta. Nada disso é relevante nesta hora. Dele poderia ser dito o mesmo que em relação a Miguel Arraes, por exemplo. Assim como o avô, ao lado de quem será enterrado, ele gerou também desgostos, inimizades e queixas no interior da própria esquerda brasileira. Mas não é justo lembrar isso agora.

Fiquemos então com o Eduardo Campos antes da tragédia. Fiquemos com o governador de Pernambuco que deu um tempo novo a um Estado que atravessava uma decadência sem fim, a rugir como um leão desdentado. Que em vez de Leão do Norte vinha sendo um leão sem norte. Fiquemos com o Eduardo Campos que poderia ter sido o que Miguel Arraes não foi: o presidente da República em um país mais justo e fraterno. Estamos todos com essa dimensão final. Adeus, Eduardo Campos. Foi bom ser pernambucano no seu tempo de governador. Ali, bem perto do Teatro de Santa Isabel, que não esperava encenar a tragédia desse último 13 de agosto.

Fonte: Valor Econômico
*Publicação autorizada pelo autor