Gabriel Nascimento: O “lulopetismo” cria seus próprios anticorpos

Dizer que PT já deu o que tinha que dar é o discurso quase óbvio da latente falta de argumento. A juventude de classe média adora vociferar, repetir, se sentindo, muitas vezes bem informada pela grande imprensa. Dizer que o Brasil está virando uma ditadura petista é um desses absurdos que doem na alma por não podermos ter uma máquina do tempo e transportar aquele rapaz ou aquela moça para 1968.

Por Gabriel Nascimento*

Lula em Osasco - Ricardo Stuckert/Instituto Lula

Deve haver um sinal limítrofe entre a inteligência da juventude e a sensação de falta de falta de memória. Ou pior, de não termos em nossa cultura uma memória coletiva bem desenvolvida, a ponto de lembrar a nossa juventude do como o país era atrasado, pobre e decadente na década perdida do PSDB. Na falta de memória coletiva, o antipetismo está se tornando uma espécie de esquizofrenia. “Por que você não vota no PT?”. A pessoa responde: “Porque não”. “E por que não?” Ela não sabe explicar. E se tenta explicar, recorre aos casos de corrupção, esses que os próprios governos petistas mandaram investigar, porque nas gestões do PSDB tudo era empurrado para debaixo do tapete.

Porém, prefiro uma metáfora ainda melhor do que esquizofrenia para falar do antipetismo. O antipetismo tem funcionado como uma bactéria no discurso social. Em geral ele sempre está associado à falácia da propriedade, mesmo sendo repetido muitas vezes por pessoas que jamais serão proprietárias do capital financeiro. O antipetismo é a arma letal da grande imprensa e tem espaço entre as classes médias, por razões que a história já nos colocou.

As classes médias no Brasil foram invocadas desde a ditadura militar com o discurso do consumo. Fingiram não ver corrupção na ditadura militar em nome de um Estado que dava a elas o direito de consumir, permitindo a confusão entre consumidor e cidadão. Mas aos pobres não era dado esse direito. Nos governos neoliberais pós-redemocratização a classe média também não viu corrupção, com exceção à tentativa de Collor de mexer no imexível: a propriedade. Mas FHC passou despercebido, controlou a Polícia Federal e o Ministério Público, teve boas relações com todos os poderes, implantou um receituário neoliberal muitas vezes mais conservador do que os aplicados na Europa. Houve forte desemprego e fome.

A juventude não sabe disso, na maioria das vezes, por causa da grande imprensa. A grande imprensa, organizada em forma de partido político, domina os meios de produção cultural em prol da ideologia contra a corrupção. A mesma mídia que se fez na ditadura militar, que organizou todo o oligopólio, que agrega a verba estatal de publicidade, é essa mesma mídia que reza contra a corrupção do PT. Não há novidade. Como em dez anos os governos do PT tentaram introduzir um mercado comum de massas, enfocando as classes mais populares ao invés da classe média tradicional nos programas sociais e no acesso ao crédito, não houve o mesmo tratamento ao PT dado pela classe média à ditadura militar e aos governos de FHC. A bactéria da grande imprensa funcionou perfeitamente nos setores da pequena burguesia daí em diante. “O PT vai acabar com o Brasil”, “A inflação está alta”, “O PT aparelha o Estado” e todos as outras alternativas do pequeno repertório que a classe média vocifera sempre contra o ‘lulopetismo’.

Entretanto, o petismo tem seus anticorpos. Eles estão justamente onde a classe média achava que ia ter vez para sempre sozinha. É na universidade, depois de duplicação do número de universitários em dez anos, que algumas vozes começam a surgir. Não é uma tragédia e nem estamos piores. Estamos bem melhores e falta muito a avançar. É a certeza de ser anticorpo, lutando todo dia contra cinco segundos que a grande imprensa usa para transformar para pior a sociedade, que enfrentamos filas nos restaurantes universitários falando que o Brasil não está acabando e, ao que parece, os avanços dos últimos dez anos só são o início de um grande ciclo de reformas.

Muitos de nós surgem de repente, em época eleitoral, lutando para não retrocedermos a uma pauta neoliberal que promete descaradamente enxugamento de gastos públicos. Tal pauta é aquela encenada por FHC no corte do orçamento das universidades federais. Essas vozes, embora ainda não preponderantes, unem jovens em prol do legado de uma era que, com certeza, vai ser lembrada como a parte de nossa história em que mais avançamos nas transformações sociais dentro do sistema capitalista.

* Gabriel Nascimento é mestrando em Linguística Aplicada pela UnB