Lejeune: Comentários sobre as eleições presidenciais, dados e fatos

Após imensa tensão que vivemos entre 17h e 20h30 do último domingo (26), dia do 2º turno das eleições presidenciais disputadas entre a presidenta Dilma Roussef (PT, coligado com o PCdoB e mais oito partidos) e Aécio Neves (PSDB coligado com outros sete partidos), pretendo apresentar dados e fatos sobre os resultados do 1º e do 2º turnos e procurar entender o que chamamos de geografia do voto, ou seja, mudanças de opções entre candidaturas entre os dois turnos.

Por Lejeune Mirhan*

Eleições 2014 LOGO DO VERMELHO

Ao final, faço uma análise política sobre o posicionamento de diversos agrupamentos políticos e partidários que não conseguiram levar seus candidatos ao 2º turno. Cada uma dessas organizações posicionou-se de forma distinta, basicamente em três orientações principais.

Dados do 1º turno das eleições em 5 de outubro

O Tribunal Superior Eleitoral anuncia, desde 5 de maio passado, um colégio eleitoral de 142.822.046 eleitores aptos a comparecerem e exercerem seu direito cívico de voto. Provavelmente só menor que a Índia, China e Estados Unidos. Como se costuma dizer “somos uma das cinco maiores democracias do mundo”.

No entanto, por diversas vezes e em várias publicações venho insistindo que esse cadastro do TSE está inchado. É fictício. Não há recadastramento dos eleitores desde a Constituinte de 1986. Um ou outro estado acabou fazendo. Mas nada nacional. Isso acarreta índices de abstenções elevadas, acima de 20%, ainda que o voto em nosso país seja obrigatório. Mas, temos que trabalhar com dados oficiais.

Os números que aqui apresento são exclusivamente para as eleições presidenciais (nulos e brancos para outros cargos modificam-se).

Eleitores que compareceram para votar: 115.122.883
Eleitores que se abstiveram: 27.699.163 ou 19,39%
Eleitores que anularam seu voto: 6.678.592 ou 5,8%
Eleitores que votaram em branco: 4.420.489 ou 3,84%
Votos considerados válidos: 104.023.802

Eu costumo usar o que chamo de “índice ABN”, ou seja, quantos eleitores desperdiçaram completamente seus votos ou não indo votar ou mesmo indo, anulando ou votando branco. Essa conta é simples. Divide-se os 105 milhões de válidos pelos 142 milhões de inscritos. Obteremos um índice de 27,16% ou, em números redondos, de cada quatro eleitores inscritos em nosso país, um joga completamente fora o seu voto. Alguns chamam de voto “alienado”.

Aqui é importante comentar o comportamento dos nulos e brancos. Desde a adoção do voto eletrônico, caíram drasticamente os nulos e brancos. Eles se estabilizaram na faixa de 10% dos eleitores que comparecem às eleições. Também a abstenção vem ficando na faixa de 15 a 20%.

Faço breve comparação com a votação de deputados federais. Os índices ABN dos estados brasileiros variaram de 37,24% no Rio de Janeiro até 15,21% no Amapá. A média nacional para esse cargo ficou em 31,04%, ou seja 14,28% maior que para presidente. Aparentemente, os eleitores gostam mais de votar para presidente do que para deputado federal. Os votos desperdiçados para a Câmara dos Deputados em 5 de outubro foram de 44.162.926 contra 38.798.244 para presidente. Ou seja, uma diferença de nada mais nada menos de 5.364.682 eleitores que optaram em não desperdiçar seus votos na votação presidencial.

Votações dos candidatos no 1º turno

Apesar de termos 11 candidaturas à presidente da República em 2014, no 1º turno apenas três foram mais expressivas. São elas a da atual presidenta Dilma Roussef, candidata à reeleição; Aécio Neves, candidato da oposição e Marina Silva, candidata de uma suposta “terceira via”. As outras oito candidaturas, incluindo a do Psol e do PV, ficaram com poucos votos. Vamos aos dados:

Dilma Roussef – 43.267.668 ou 41,59%
Aécio Neves – 34.897.211 ou 33,55% e
Marina Silva – 22.176.619 ou 21,32%

Todos os outros oito candidatos obtiveram somados 3.682.304 votos ou apenas 3,54% dos válidos.

Olhando friamente esses números, poder-se-ia imaginar que a presidenta Dilma teria imensas dificuldades no segundo turno, o que acabou se verificando. Seus 43 milhões de votos ficaram muito aquém dos 59 milhões de todos os outros candidatos que lhe fizeram diuturna e intestina oposição. Aliás, a chamada “esquerdalha” propalava aos quatro ventos e usava todo o seu horário eleitoral – ainda que diminuto – para afirmar que “Dilma e Aécio são a mesma coisa” (sic).

Vamos agora verificar os dados eleitorais neste 2º turno, realizado no domingo, 26 de outubro.

Votações dos candidatos no 2º turno

Com o mesmo colégio eleitoral de 142 milhões de eleitores inscritos, registramos um leve crescimento da abstenção, como veremos a seguir. Por outro lado, também verificamos uma drástica redução dos votos brancos (queda de mais de 130%) bem como uma pequena queda dos nulos (28%). Vamos aos números finais:

Eleitores que compareceram para votar: 112.683.879
Eleitores que se abstiveram: 30.138.167 (21,1%)
Eleitores que anularam seu voto: 5.219.787 (4,63%)
Eleitores que votaram em branco: 1.921.819 (1,71%)
Votos considerados válidos: 105.542.273.

O índice que chamamos de ABN caiu para 26,10%, ainda muito próximo dos 27,16% do 1º turno. Ou seja, ainda seguimos com uma média de um em cada quatro eleitor inscrito, ter decidido desperdiçar de alguma forma o seu voto. Isso significou um incremento de 1.518.471 eleitores que decidiram escolher um dos dois candidatos que passaram ao 2º turno, Dilma ou Aécio.

Vamos agora aos resultados finais das duas candidaturas em disputa.

Dilma Roussef – 54.501.118 ou 51,64% dos válidos
Aécio Neves – 51.041.155 ou 48,36%

A migração dos votos do 1º ao 2º turno

Não me preocuparei aqui em analisar de onde vieram os votos dos dois candidatos, se do Nordeste ou do Sudeste. Não nos interessa, do ponto de vista a que nos propusemos neste artigo, saber de quais estados as votações dos candidatos vieram. Nosso foco é exclusivamente tentar enxergar a transferência de votação dos nove candidatos do 1º turno que não passaram ao segundo turno.

A soma dos votos de Marina e dos outros oito candidatos de partidos pequenos perfaz 25.858.923 eleitores. Ou seja, quase 26 milhões de votos estavam em disputa. Agrego a esses os cerca de 1,5 milhões que escolheram uma candidatura no 2º turno como visto acima. Ou seja, os votos em disputa subiram para 27.377.394 ou 25,93% dos válidos. Dito de outra forma, e partindo do pressuposto que quem votou em Dilma ou Aécio não mudaria seu voto, tínhamos uma pequena margem de disputa. Apenas um quarto do eleitorado estava sendo disputado ou um em cada quatro.

Pois bem. Sigamos com nosso raciocínio e vamos ver agora as ampliações dos dois candidatos, com base nos resultados oficiais.

A presidenta Dilma ampliou a sua votação em 11.233.450 ou 25,96% com relação ao 1º turno e Aécio ampliou seus votos em 16.143.944 ou 46,26%. Vemos aqui, claramente, que a capacidade de ampliação e de agregação de votos foi bem melhor sucedida com o candidato da oposição.

Ainda com relação aos números finais, de todos os votos que foram à disputa no 2º turno – bem poucos, diga-se de passagem – Aécio abocanhou nada menos que 58,96% deles e a presidenta Dilma ficou com os restantes 41,03%. Dito de outra forma – e por isso o resultado apertado – de cada dez votos em disputa no segundo turno, Aécio conseguiu ficar com seis e a presidenta Dilma com os outros quatro.

Os três grandes posicionamentos no 2º turno

Tivemos três posicionamentos dos candidatos derrotados e de seus partidos no 2º turno. Três blocos de ideias. O primeiro e maior de todos, foi a adesão pura e simples ao candidato das elites e do modelo neoliberal, Aécio Neves. Na primeira semana após o 1º turno ele recebeu o apoio pessoal do candidato e do partido, Eduardo Jorge e seu PV. Em seguida, recebeu o apoio do PSB, ainda que 28% dos membros de seu Diretório Nacional optaram pela neutralidade. Por fim, no domingo seguinte, dia 12 de outubro, a candidata da Rede/PSB, Marina Silva, sem surpresa alguma, declara apoiar a oposição, diferente de 2010 que ela decidira ficar neutra. Desnecessário dizer dos partidos ditos nanicos, todos linhas auxiliar dos tucanos, como o PRTB, PSC e PSDC, respectivamente Fidélix, Everaldo e Eymael.

Um segundo bloco de posicionamento defendeu a tradicional campanha pelo voto nulo. Tal proposta veio de partidos absolutamente inexpressivos da sociedade, como o PCO (12.969 votos para a CD), PSTU (188.473), PPL (141.254) e o PCB (antigamente conhecido como “Partidão”, que obteve apenas 66.615 votos para a Câmara). Essas quatro organizações, que se reivindicam “de esquerda” ou “patriota” obtiveram no total 409.311 votos para a CD ou insignificantes 0,42% dos válidos para deputado federal em todo o país. Registre-se que anarquistas – que sequer possuem partidos organizados – também pregaram voto nulo.

Esses partidos, como já disse, fizeram campanha no 1º turno afirmando que Dilma e Aécio eram absolutamente iguais (sic). O que vimos destoar nesse bloco de quatro partidos é a do PCB e do PPL. O primeiro, em 2010 acabou por apoiar Dilma no 2º turno. O segundo, oriundo do antigo MR-8, apoiou o governo por pelos 10 anos, desgarrando-se ao final quando Eduardo Campos também bandeou-se para a oposição.

Por fim, um terceiro posicionamento, que foi o do Psol, a quem achei absolutamente lúcido, dadas as circunstâncias, no sentido de fazer campanha contra o Aécio. Ou seja, votar nulo, branco ou na Dilma eram opções que eles recomendaram. Mas, jamais em Aécio. Os cinco parlamentares eleitos por essa legenda apoiaram abertamente a presidenta Dilma.

Algumas conclusões finais

Sem desconsiderar outras abordagens e considerações que possam vir a ser feitas, quero apresentar algumas.

Tenho claro que a campanha do voto nulo ou branco fracassou. Os partidos que se proclamam da ultraesquerda fracassaram completamente em seu intento. A mesma coisa grupos anarquistas ou ainda pessoas da Rede da Marina que não a acompanharam na aventura neoliberal, mas tampouco recomendaram voto na Dilma, mas ou anular ou se abster.

No entanto, os partidos nanicos da direita, mais os ditos “socialistas” do PSB, praticamente o PV inteiro, a Marina, foram para o campo da direita, do neoliberalismo. Aécio assim, ampliou e agregou mais apoios no 2º turno. Isso explica o 6 X 4 da migração de votos mostrado acima.

Por esse cenário, nossa presidenta tinha mesmo pouca margem de ampliação. Aliado com a maior campanha midiática contra uma presidenta que já se tinha visto desde Getúlio Vargas em 1950/1954, preconceitos exacerbados nas redes sociais e mentiras deslavadas, até que a diferença de 3.459.963 ou 3,28% dos votos válidos pode ser considerada significativa.

Mas, como vários jornalistas e blogueiros alternativos escreveram logo depois das eleições: é preciso avaliar a dimensão da vitória pelo prisma de quem nós derrotamos no campo de lá. Ninguém menos do que o capitalismo rentista e neoliberal, os bancos, a elite branca, cristã e sionista, a imprensa golpista e, o maior inimigo de todos nós: os Estados Unidos. Estes não só torceram por Aécio, como tudo fizeram para ajudar na sua eleição. Expressão disso foi a votação de 91,79% dos válidos obtidos por Aécio em Miami contra insignificantes 8,21% da presidenta Dilma. Nesse sentido, nossa vitória foi gigante, imensa e não pequena como se propalou.

Temos muitas lições a extrair desta que vimos chamando de quarta vitória do povo. Mas, isso fica para outros artigos e mesmo outros analistas.

Por fim, quero fazer aqui apenas dois registros finais:

1. Não nos esqueçamos das eleições presidenciais da Venezuela, onde Maduro do PSUV venceu, também enfrentando campanha midiática contrária e mesmo com toda a comoção da morte do comandante Chávez, a diferença dele para com o candidato da mídia e dos Estados Unidos foi de apenas 1,49% (50,61% contra 49,12% de Capriles da oposição golpista e estadunidense; diferença de apenas 223.599 votos em 14.951.559 votos válidos). Dilma teve mais que o dobro desse percentual;

2. Em que pese todas as críticas ao Instituto DataFolha – e em boa parte são justas –, em especial nas manipulações das suas margens de erro, esse foi o Instituto que acertou o resultado da mosca, anunciando na véspera 52% para Dilma e 48% para Aécio. Os outros dois – Ibope e Vox Populi – apontaram resultados maiores e além das suas margens de erros.

*Sociólogo, professor, escritor e Arabista. Colunista da Revista Sociologia da Editora Escala e do portal Vermelho. Foi professor de sociologia e ciência política da Unimep (1986-2006). Foi presidente da Federação Nacional dos Sociólogos (1996-2002) e do sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo (2007-2010). Recebe mensagens pelo correio eletrônico lejeunemgxc@uol.com.br.