Marilza de Melo Foucher: A política é inseparável da cidadania

Espera-se que a emoção agora estabilizada, a vida política continue presente na sociedade brasileira. Todavia, de modo mais racional, e, principalmente isenta do ódio, dos preconceitos e da intolerância que marcaram a campanha eleitoral.

Por Marilza de Melo Foucher*

art. 3º, IV da Constituição Federal.

Para os que estão contribuindo para o enfraquecimento do Estado Democrático, é bom lembrar que a discriminação é proibida expressamente, como consta no art. 3º, IV da Constituição Federal. Para o direito penal brasileiro, a prática da discriminação e preconceito por raça, etnia, cor, religião ou procedência nacional consiste em delito previsto na lei 7.716/89, alterada pela lei 9.459/97.

Segundo o art. 140, parágrafo terceiro do Código Penal: "Se a injúria utilizar elementos relacionados à raça, cor, etnia, religião ou origem, a pena é de reclusão, pena é de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa". Para enfrentar essa onda que se espalha impunemente no Brasil, temos que nos transformar em verdadeiros guardiões de nossa democracia. E exigir que o código penal seja aplicado.

O que se pode constatar é que os adversários do Brasil para todos vêm tentando há muitos anos enfraquecer a democracia para criar uma sociedade despolitizada para que eles possam manipulá-la à sua maneira.

A ideologia neoliberal sempre pregou o desengajamento com o Estado democrático. O mercado está acima do Estado. Esta ideologia atende os ditames da economia financeira que sempre apostou na crise política para assumir o comando da governança mundial sem a presença de regulação do Estado.

O fato de perder as eleições não significa que essas forças conservadoras aceitem a convivência pacifica, a prova é que eles negam o veredito das urnas e fazem declarações de pedido de “impeachment” da presidenta Dilma.

Neste momento que setores reacionários, fascistas pedem a volta da ditadura, é obrigação de todos (as) brasileiros (as) de assumir a defesa da conquista da democracia no Brasil. Daí nada de cruzar os braços diante da estratégia da despolitização, principalmente da juventude brasileira. Há muitos anos que os meios de comunicação que colaboraram com a ditadura militar vêm contribuindo ao “desengajamento político” e ventilam o desdenho da política.

Infelizmente existe um desinteresse pelo conhecimento da historia política do Brasil. Até recentemente, não se podia evocar aos jovens que o Brasil viveu uma longa ditadura militar. Infelizmente, esta história política brasileira, ainda é tabu, como se o medo tivesse atravessado as gerações. Tem-se uma história mal contada nos manuais escolares. A jovem geração que viveu sob a ditadura e os que nasceram a partir de 1964 vão aprender que os princípios de base do ensino de educação moral e cívica são: ordem, segurança, integração nacional, culto à pátria. O slogan da ditadura era: Brasil: ame-o ou deixe-o.

Levar a verdade ao conhecimento da sociedade sobre as violações dos direitos humanos, sobre as formas de resistência à ditadura, é também uma contribuição à construção da memória política. Todavia, querer apagar a memória desse passado traumatizante é querer impedir que a sociedade conheça a verdade sobre a violência política imposta pela ditadura. A geração que lutou pela democracia no Brasil continua sendo tratada de terrorista. Basta ver as acusações contra a presidenta Dilma.

A luta pela conquista da democracia foi longa. Daí a conquista da cidadania civil (direito de votar) deve estar vinculada à cidadania política. Isto significa ter participação ativa na ampliação e conquista de direitos políticos e sociais. Somos hoje mais passivos que ativos na cobrança de nossos direitos e no cumprimento de nossas obrigações republicanas.

A democracia representativa e a democracia participativa não são incompatíveis, as duas integram o alicerce de qualquer democracia, principalmente a brasileira que viveu quase três décadas de ditadura militar.

Os países que viveram a ditadura poderiam investir mais na educação da cidadania de sua juventude. Ensinar aos jovens como funciona um Estado democrático. O que representa o Estado, essa abstração teórica criada pela inteligência humana. O que é um Bem Público. Como aprender a exercer seus direitos e cumprir com as obrigações face ao Estado democrático. Trata-se de educar os jovens para o exercício futuro do poder: eles devem adquirir o aprendizado de saber lidar com a coisa pública, para entender o que é o poder, qual a função do poder político, quais são as qualidades necessárias para seu exercício. A exigência da educação cívica pode ser útil para sanear o vírus da corrupção presente na sociedade brasileira.

Infelizmente, no imaginário popular o poder político no Brasil vai ser assimilado como sinônimo de corrupção. O abuso de uso da máquina pública faliu o Estado brasileiro. Aliás, a corrupção foi a palavra mais pronunciada nesses últimos anos no Brasil, todavia, tratava-se mais de uma estratégia de destruição de um partido político que uma bandeira de luta contra qualquer modo de corrupção. Se formos fazer uma investigação séria, talvez, a corrupção no Brasil envolva muito mais a esfera privada do que a esfera pública. Não cabe aqui assumir a defesa do PT, cabe condenar qualquer ato de corrupção não importa de que partido. Logicamente que o PT passou a ser o mais cobrado devido ser um partido que nasceu com o processo de democratização do Brasil e que defendia a ética na política.

Agora que as eleições acabaram e que todos já fizeram suas escolhas, quem sabe chegou o momento para um tempo de reflexão sobre o que representa realmente a corrupção. Sabe-se que a corrupção é subjetiva, todavia, ela transgride sempre a fronteira do direito e da moralidade. De fato, pode-se distinguir a corrupção ativa da corrupção passiva; o suborno é fornecer dinheiro ou serviços a uma pessoa que detém o poder em troca de uma vantagem indevida; a corrupção passiva é aceitar este dinheiro.

Qualquer cidadão (ã) deve guardar a capacidade de se revoltar, de se indignar frente ao poder corrompido e às injustiças ligadas ao modo de lidar com o poder.

Uma coisa é certa, se quisermos um melhor funcionamento da governabilidade democrática, temos que participar mais e exigir muito mais de nossos políticos. A política é inseparável da cidadania. Todos deveriam agir voltados para o bem-estar de todos. Eleger alguém quer dizer exercer um poder de escolher os ocupantes temporários do governo. Não devemos esquecer que a democracia é fundada na noção dos direitos entre governados e governantes. Daí a exigência de vigilância do poder político. Infelizmente, muitos políticos eleitos pelo povo ainda não assimilaram que o poder político lhe foi outorgado pelo povo e que o povo tem direito de cobrar deles certa postura de integridade política. Afinal, ele foi eleito para defender os interesses coletivos e não interesses privados.

Os representantes do povo, além de assumir o compromisso de defender os interesses públicos, devem estimular e facilitar a inclusão da participação social no poder político. Essa inclusão da cidadania política efetivará uma mudança estrutural nas relações com o poder e dará melhor sustentabilidade para a uma governabilidade democrática mais participativa.

Vale à pena reencontrar o sentido nobre da política, que permite a uma comunidade agir sobre si mesma, sem perder a visão do interesse geral.

*Marilza de Melo Foucher é jornalista internacional, aposentada na França, colaboradora do Mediapart-Paris e blogueira