Arthur Poerner: Ainda o entulho da vitória de Dilma

Pela quarta vez seguida, o PT derrotou o PSDB nas eleições presidenciais, o que o levará, ao final do segundo mandato da Dilma, a completar 16 anos de ininterrupta permanência no poder, feito jamais alcançado, democraticamente, em nosso país.

Por Arthur Poerner*, publicado em seu blog

Dilma e Lula campanha - Ricardo Stuckert/Instituto Lula

Para indisfarçável e raivosa frustração dos vencidos no inquestionável veredicto das urnas, que, até o dia mesmo do pleito, recorreram às mais escusas e indecorosas manobras para ganhar no grito, com a ajuda de uma publicação cuja maior utilidade, mais psicológica do que midiática, tem sido a de distrair os pacientes que vivem a tormentosa iminência dos 'motorzinhos' nos consultórios odontológicos; e, já iniciada a votação, com o boato da morte, por envenenamento, do doleiro Alberto Yousseff. Ou será que pode pairar alguma dúvida sobre a candidatura que se pretendia favorecer com mais esta mentira?

Não se pode esquecer, ainda, que a vitória do PT, com o inestimável auxílio das redes sociais, foi, também, sobre a chamada grande mídia, que, novamente, não se avexou de tomar o partido da oposição, mesmo quando, para isto, a distorção dos fatos lhe pareceu indispensável. Daí a amarga decepção de que veio eivada a maioria dos comentários que se seguiram ao resultado, com as honrosas exceções do que escreveram, entre outros, no Globo, por exemplo, os coleguinhas Flávia Oliveira, Francisco Bosco, José Casado, Ilimar Franco, Ancelmo Góis e Frei Betto.

Alguns dos comentários mais amargamente engajados chegaram a acusar o PT de dividir o país. Talvez porque o Aécio – pessoa afável, que me foi apresentada num aniversário do Ziraldo – chegou a anunciar, num arroubo bolivariano, que iria libertá-lo. Ou porque a Dilma ganhou só (?) com 51,64% dos votos. Mas, o Hollande chegou à presidência, com 51,62%, e o Obama, com 51,42%, e não me consta que se tenha falado que a França ou os EUA estavam divididos.

O mais provável – e devemos, humildemente, reconhecê-lo – é que o Brasil ainda vive uma fase de aprendizado de democracia, depois de mais de três séculos de escravismo, só extinto às vésperas da proclamação da República, em que, mesmo fora das ditaduras escancaradas do Estado Novo e da militar (1964-1985), raros foram os governos realmente democráticos. É por isto que ainda não podemos ser amigos de quem vota diferente, com a possível exceção de Minas, onde, segundo o falecido ex-governador e ex-ministro da Justiça Milton Campos, um liberal-democrata, "brigam as ideias, não as pessoas". Mais uma razão para valorizar os votos que, a partir das Alterosas, garantiram, com os do Nordeste, a reeleição da Dilma.

Mas, por que continuar me estendendo sobre um entulho que já está sendo adicionado ao lixo da história? Não só porque é de lá, dos depósitos de detritos regressivos e reacionários, que ecoam as sinistras pregações de apelos aos quarteis, tais como as dos igualmente sempre derrotados udenistas dos meados do século passado, mas também porque é preciso, antes que os garis concluam o seu trabalho, preservar algumas pistas para os nossos futuros historiadores. E, ainda, porque as comemorações de mais um triunfo não podem apagar a memória do mais recente capítulo da luta do nosso povo pela igualdade democrática, parte inalienável da sua identidade. Foi com o Lula e o PT que ele pôde, afinal, provar o tal bolo que nunca estava suficientemente crescido para começar a ser compartilhado.

*Arthur Poerner é escritor, jornalista, ex-professor da UFRJ e compositor carioca. Bacharel em Direito, com pós-graduação em Comunicação, foi presidente da Fundação Museu da Imagem e do Som (MIS) e do Sindicato dos Escritores do Estado do Rio de Janeiro.