Participação Social: instrumento de cidadania para reforma política

O modelo de participação social proposto pelo governo trata da criação e regulamentação de espaços institucionais de diálogo entre sociedade civil e poder público sem alterar em nenhum nível a composição entre Legislativo, Executivo e Judiciário. Não há como dissociar esse debate da discussão sobre reforma política.

Por Marcelo Pires Mendonça*, no Brasil Debate

Manifestação pela reforma política - Mariana Serafini

Numa sociedade marcada por clivagens profundas e desigualdades abissais, a responsabilidade política é a medida do compromisso com a população indígena, os povos da floresta, a população negra, quilombolas, mulheres, crianças, jovens, idosos, sem terra e sem teto, enfim todos os grupos excluídos e vulneráveis cujas vozes foram silenciadas (não sem resistência) durante 514 anos.

A redemocratização foi um marco na abertura do estado brasileiro à sociedade. E foi a partir dos governos democráticos e populares do presidente Lula e da presidenta Dilma que este processo se consolidou, com a criação, o fortalecimento e a institucionalização dos instrumentos de participação social, dentre os quais se destacam audiências e consultas públicas, comitês gestores, mesas de diálogo, ouvidorias, planos diretores, orçamentos participativos, as conferências e os conselhos nacionais.

Todos apresentam uma característica em comum: a institucionalização de um canal democrático de diálogo e ação entre o Estado e a sociedade, com impacto direto e positivo na elaboração, implementação e monitoramento das políticas públicas.

Ao instituir por decreto a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), o governo reforça o seu compromisso em assegurar que a população seja protagonista de sua própria história, com políticas públicas que respondam efetivamente às demandas de seus principais interessados.

Não por acaso a PNPS é um instrumento de fortalecimento dos conselhos de políticas públicas. O Decreto 8.243/2014 não menciona em momento algum a expressão “conselhos populares”, tratando na realidade da regulamentação dos conselhos de políticas públicas.

Desonestidade intelectual

O debate ora em curso na sociedade brasileira acerca do Decreto que institui a PNPS está sendo pautado de forma desonesta e intencionalmente equivocada pela mídia e pelos setores ultraconservadores da direita, que não têm interesse no aprofundamento da participação social.

A desonestidade intelectual mais significativa perpassa a comparação da PNPS com modelos totalmente distintos e alguns inclusive datados historicamente (a exemplo dos soviets, implantados na antiga URSS) ou, ainda, com os Conselhos Comunais venezuelanos, que foram criados em 2006, pelo então Presidente Chávez, e que marcam o início do chamado “processo bolivariano”.

Estas organizações constituem um modelo de “microgovernos” e fazem parte de um projeto governamental mais amplo, que pretende reconstruir administrativamente o território, com base na criação de “Comunas”.

Diferente do modelo de participação social apresentado pelo Decreto 8.243/2014, que trata da criação e regulamentação de espaços institucionais de diálogo entre sociedade civil e poder público sem que altere em nenhum nível a composição entre Legislativo, Executivo e Judiciário.

Ao defender a Política de Participação Social reproduzindo os termos equivocados propalados pela mídia e pela oposição, sobretudo a expressão “conselhos populares”, cometemos o erro estratégico de discutir a política pela direita, quando devemos construir esta defesa partindo da realidade dos fatos e dos anseios de uma população que foi às ruas por mais espaço na política.

O Decreto institui “conselhos de políticas públicas” com participação da sociedade civil e do poder público, expressão que não é mencionada em nenhuma notícia veiculada na mídia ou em nenhum discurso de ataque proferido pela direita.

Mais grave ainda: a terminologia correta também não é adotada por aqueles que se manifestam publicamente pela defesa do Decreto. Mais do que uma questão retórica, trata-se de um primeiro espaço de luta, o qual passa pela manipulação do discurso a serviço da desinformação da sociedade brasileira.

Observamos duas trincheiras nesta luta: a institucional, que envolve os Três Poderes e a reafirmação de que estas esferas têm assegurado os seus papéis constitucionais na PNPS, ao contrário do que alegam os opositores da política; e a trincheira da mobilização social, que abrange o necessário e amplo debate junto à sociedade civil acerca dos mecanismos e propostas apresentados pela PNPS.

Reconhecer estas trincheiras de luta é assumir a necessidade imperativa de o governo mobilizar o parlamento, os partidos, as entidades nacionais e os movimentos populares e sociais em torno de uma estratégia a ser construída coletivamente e de forma participativa pela defesa da política de participação social.

Isto significa defender a PNPS não apenas no discurso, mas colocando na prática desta luta os seus princípios.

Que a defesa da PNPS reforce o seu papel de instrumento de resposta concreta e constitucional às “vozes das ruas” e que a sociedade conheça e se aproprie dos mecanismos e instâncias de participação que possibilitam a construção responsável de políticas públicas com participação social para fortalecer a nossa democracia!

*Marcelo Pires Mendonça é professor de História da Rede Pública de Ensino do DF (licenciado) e Coordenador-Geral de Mecanismos Formais de Participação Social da Secretaria-Geral da Presidência da República.