Sessão Especial celebra Dia da Consciência Negra
A vereadora Tatiana Lemos, do PCdoB, realizou, na noite desta segunda-feira, 17, na Câmara Municipal de Goiânia, sessão especial pelo Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, comemorado no dia 20 de novembro, data do assassinato de Zumbi dos Palmares, mártir da população negra, em 1695. Sua vida, liderança e morte são simbólicas para a luta pelos direitos da população negra no Brasil.
Publicado 19/11/2014 15:31 | Editado 04/03/2020 16:43

Personalidades ligadas às lutas de igualdade racial e de preservação da cultura afro-brasileira foram homenageadas pela vereadora, que fez questão de citar em seu discurso as conquistas, as lutas e, principalmente, o preconceito que os negros ainda sofrem em pleno século XXI.
“Um país com uma face tão negra e mulata não pode se desenvolver sem olhar de frente e com orgulho para sua própria cara. Para que um país como o nosso possa alcançar o tão almejado desenvolvimento social e econômico, terá de tratar, de fato, todos os seus cidadãos, independente de suas origens étnicas, como um cidadão pleno”, afirmou Tatiana Lemos.
A parlamentar discursou também sobre as políticas públicas afirmativas e inclusivas como método de solução para o fim do racismo. “Algumas políticas afirmativas têm mudado gradativamente essa história. Entre elas, estão a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPRIR), a inclusão de conteúdos sobre a cultura africana nas escolas e a política de cotas raciais nas universidades públicas brasileiras”, disse ela.
PRESENTES E HOMENAGEADOS
A mesa da sessão especial foi composta por Dila Resende, presidente do Centro Popular da Mulher do Estado de Goiás, e Sérgio Pedro da Silva, secretário-executivo do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Também participaram da mesa e receberam homenagens o deputado estadual Marlúcio Pereira; Ana Rita Marcelo de Castro, secretária municipal de políticas para promoção da igualdade racial; Marta Ivone de Oliveira Ferreira, superintendente estadual de promoção da igualdade racial; e André Luiz Barbosa do Nascimento, presidente da União de Negros pela Igualdade em Goiás (Unegro-GO). Além deles, também foram homenageados Deuzilia Pereira da Cruz, coordenadora-geral do Grupo de Mulheres Negras Dandara no Cerrado; o Pai Kênio D'Osaala, presidente da Federação de Umbanda e Candomblé do Estado de Goiás (Fuceg); Maria Dalva de Mendonça Silva, presidente da Escola de Samba Flora do Vale; a antropóloga, educadora e pesquisadora Mari de Nasaré Baiocchi, e Marta Cezaria de Oliveira, coordenadora executiva do Fórum Nacional de Mulheres Negras (FNMN). (Guilherme Machado)
O evento contou com o apoio da deputada estadual, Isaura Lemos, e da União de Negros pela Igualdade (UNEGRO).
Leia o discurso da vereadora Tatiana Lemos, autora da propositura, na íntegra:
“Boa noite a todos e a todas.
É com sentimento de muita alegria que realizamos este evento, com o objetivo único de dar honra a quem merece honra. Desde os que lutam pela igualdade racial, por um mundo melhor, sem preconceitos, até os que são vítimas dessa sociedade injusta e desigual.
Estamos na semana em que se comemora o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, instituído pela Lei Federal 12.519 de 2011 e, sancionada pela Excelentíssima Senhora Presidenta Dilma Roussef.
A história do Brasil tem forte presença de outros continentes e, marcadamente, do continente africano. Devemos aos africanos a forma de construir a casa rústica, importantes técnicas agrícolas e pecuárias, as forjas de ferro, a maneira de peneirar o ouro nos garimpos, o modo de nos comportarmos, de gostar da rua. A influência é rural e urbana. Recebemos milhares de africanos de regiões diferentes, em períodos distintos, e cada povo deixou um legado.
Apesar da contribuição ímpar, para refletir sobre a população negra no Brasil é preciso reconhecer que a sua história sempre foi marcada pela negação dos direitos fundamentais, gerando profundas desigualdades raciais. Os brasileiros e as brasileiras de ascendência africana, que participaram da construção do País, viveram uma subcidadania sustentada diretamente pela prática do racismo, explícita ou não, que marca as relações de dominação no País.
A história do negro no Brasil começou com o regime colonial escravista. No início da República, a população negra, apesar da Lei Áurea, foi mantida na escravidão. Os afrodescendentes permanecem em condições de desvantagem, comparada com a situação da população branca. A prática do racismo mantém e tem aumentado a concentração de riquezas e de poder nas mãos dos descendentes de senhores de escravo. Em que pesem os avanços dos últimos anos, de acordo com o IPEA, é difícil negar os grandes diferenciais raciais observados em quase todos os campos da vida cotidiana. Segundo publicação do Instituto de 2007, negros ainda nascem com peso inferior ao de brancos, têm maior probabilidade de morrer antes de completar 1 ano de idade, têm menor probabilidade de frequentar uma creche e sofrem taxas de repetência mais altas na escola, o que os leva a abandonar os estudos com níveis educacionais inferiores aos dos brancos. Jovens negros morrem de forma violenta em maior número que jovens brancos e têm probabilidades menores de encontrar um emprego. Se encontram trabalho, recebem menos da metade do salário recebido pelos brancos, o que leva a que se aposentem mais tarde e com valores inferiores, quando o fazem. Ao longo de toda a vida, sofrem com o pior atendimento no sistema de saúde e terminam por viver menos e em maior pobreza que brancos. E isso não decorre apenas da situação de pobreza em que a população negra está majoritariamente inserida. As desigualdades raciais no Brasil são influenciadas de maneira determinante pela prática passada e presente da discriminação racial.
Esta data, a qual podemos fazer uma reflexão sobre a opressão sofrida pelos afro-descendentes no passado e a insistência do preconceito ainda nos dias de hoje, portanto, é uma conquista que vem sendo alcançada paulatina e insistentemente como resultado de uma luta de mais de três décadas pelos movimentos negros por todo o Brasil. Não se trata, no entanto, apenas de conseguir mais um dia de descanso, mas sim da valorização do cidadão de origem étnica negra em nossa sociedade. É a valorização deste cidadão por toda uma nação, que segundo dados do IBGE, tem sua população constituída hoje por mais de 52% de indivíduos de origem africana.
Um país com uma face tão negra e mulata não pode se desenvolver sem olhar de frente e com orgulho para sua própria “cara”. Para que um país como o nosso possa alcançar o tão almejado desenvolvimento social e econômico terá que tratar de fato todos os seus cidadãos, independente de suas origens étnicas, como um cidadão pleno. Contudo, as históricas injustiças sociais que levaram ao racismo em nossa sociedade precisam de fato ser enfrentadas, corrigidas e compensadas, sob o risco de comprometermos nossos objetivos de desenvolvimento humano social e econômico.
Políticas públicas afirmativas e inclusivas são fundamentais para que daqui a uns vinte anos, possamos olhar uns para os outros e nos reconhecermos como cidadãos brasileiros de fato, com igualdade de condições respeitando a bela diversidade cultural que nos caracteriza.
Algumas políticas afirmativas têm mudado gradativamente essa história. A criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) representa uma conquista emblemática do Movimento Social Negro.
Um estudo apontou que aproximadamente 80% dos novos integrantes da classe média brasileira são negros. Agora, ela (a classe média) é muito mais heterogênea do que era há 10 anos. Com esse aumento, a representatividade entre negros e brancos na classe média ficou equilibrada. Um total de 53% da classe média é formado por negros e 47%, por brancos. O estudo registra que esse equilíbrio, no entanto, não significa que as desigualdades raciais foram superadas, uma vez que perduram nas demais classes. Na classe alta, 69% são brancos e 31%, negros; e, na classe baixa, 69% são negros e 31%, brancos.
A inclusão de conteúdos sobre a cultura africana nas escolas é outro avanço importante para o combate ao racismo. Vivemos em um mundo que está em constante transformação, mas infelizmente, as pessoas continuam racistas e preconceituosas. É por isso que as políticas públicas devem ser pensadas e colocadas em prática pelas três esferas do poder, para que a mentalidade da população mude juntamente com a sociedade e tenhamos no futuro um país menos racista.
A aprovação unânime, neste ano, pelo Supremo Tribunal Federal, da política de cotas raciais nas universidades públicas brasileiras é outro fato a comemorar-se. Com a decisão, o STF reconheceu a validade das ações afirmativas como forma de tentar reduzir as históricas desigualdades sociais entre grupos étnicos e realizar a justiça social. Do mesmo modo, é positivo o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.228, de 2010), destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica. A Lei 7.716, de 1989, que classifica o racismo como crime inafiançável, punível com prisão de até 5 anos e multa também é relevante, apesar de ser pouco aplicada. A maioria dos casos é classificada como injúria, que dá prisão de seis meses.
Nesse cenário de reconhecimento de que em pleno terceiro milênio o racismo ainda persiste e precisa ser combatido e superado, comemoramos em novembro o Mês da Consciência Negra. A comemoração do 20 de Novembro como Dia Nacional da Consciência Negra surgiu na segunda metade dos anos 1970, no contexto das lutas dos movimentos sociais contra o racismo. A data homenageia Zumbi, símbolo da resistência negra no Brasil, morto em uma emboscada no ano de 1695, após sucessivos ataques ao Quilombo de Palmares, em Alagoas. Desde 1995, Zumbi faz parte do Panteão de Heróis da Pátria.
Que a memória viva e a consciência negra de Zumbi gerem, a cada dia, mais e mais igualdade racial".