Bolívia encara um velho problema, a violência de gênero

Uma sucessão de ocorrências fatais despertou o alarme na Bolívia para a violência de gênero, um flagelo que durante décadas dilacerou milhares de lares e carece de solução à vista apesar dos esforços governamentais.

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Embora a nação sul-americana seja reconhecida por seus avanços nos últimos anos no referente à igualdade entre ambos os sexos no plano político, econômico e social, as atitudes machistas ainda ofuscam toda tentativa de empoderar e respeitar os direitos das mulheres.

Por estes dias, instituições estatais e civis unem forças em busca de mecanismos e ações realmente efetivas para erradicar as agressões e os crimes contra as mulheres, ante relatório que mostra uma alta preocupante no número de vítimas.

Em março de 2013 foi promulgada a lei 348 com o objetivo de pôr fim a esses fenômenos, no entanto, estatísticas oficiais apontam mais de 100 casos de mulheres e meninas que morreram assassinadas pelas mãos de seus parceiros e de estupradores neste ano.

Além disso, de janeiro até hoje a Força Especial de Luta Contra a Violência (Feclv) recebeu pelo menos 17 mil denúncias de maus tratos contra as mulheres, e as defensorias da infância e adolescência receberam mais de 13 mil e 500.

Mas, o mais recente relatório do Centro de Informação e Desenvolvimento da Mulher adverte que esses números são maiores pois a cada dois dias se comete um feminicídio no país e pelo menos uma a cada 10 mulheres sofre algum tipo de ataque diariamente.

Essa entidade inclusive prognostica para 2014 mais assassinatos de mulheres que os registrados no ano anterior, quando se contabilizaram 110.

Para enfrentar a violência de gênero, a Feclv habilitou as primeiras linhas telefônicas gratuitas em três estados do país que receberão denúncias durante as 24 horas do dia sobre atos desse tipo e criou uma unidade motorizada de atenção imediata ao problema.

A equipe policial está autorizada a atuar contra qualquer pessoa implicada, sem importar se são autoridades de alguma instituição estatal, militar ou civil.

O presidente Evo Morales qualificou a situação de "muito grave" e urgiu à Assembleia Legislativa Plurinacional a desenvolver novas medidas para reverter as elevadas cifras de agressões e assassinatos registrados nos últimos tempos.

Em resposta, o legislador David Sánchez assegurou que o Senado abrirá em breve o debate sobre o problema, se propõe a analisar possíveis emendas à Lei 348 e também uma proposta para que o Ministério de Educação inclua o tema no plano de estudos.

A necessidade de uma solução radical a esse flagelo na Bolívia implicou a 30 organizações e instituições sociais a constituir a aliança Livres sem Violência, para vigiar, controlar e registrar denúncias das agressões às mulheres e o tráfico de pessoas. O projeto por enquanto abrange 80 municípios e se propõe acompanhar às instâncias estatais relacionadas com ambos os temas, investigar o trabalho dos serviços judiciais nesses casos e reivindicar políticas para freá-los.

Paralelamente a todas essas iniciativas, muitos especialistas insistem em trabalhar com as vítimas para conseguir que denunciem seus casos ao menor indício de maltrato contra elas ou a seus filhos.

"Não é tão fácil dizer nem terminar com eles, também nos dizem não há outra, por isso aguentamos tanto", afirmou Mariela Sucre, que vende alimentos em um posto de La Paz.

Seu comentário evidencia que muitas bolivianas permanecem em relações conflitivas por apego emocional, vergonha, resignação e até sentimento de culpa.

Como em muitas sociedades patriarcais da América Latina, na Bolívia grande parte das mulheres temem e calam ante os insultos por razões como sua dependência econômica aos agressores, a baixa confiança nas autoridades e os tabus, pois a cultura aceita a violência intrafamiliar.

Por conseguinte, considera-se que o fenômeno é estrutural e a sua vez demonstra uma hierarquia social na qual os homens são beneficiados acima delas, e para mantê-las nessa posição subordinada utilizam diversos mecanismos de dominação.

Um elenco de profissionais e autoridades examina padrões comuns e busca estabelecer o perfil de conduta de um potencial agressor que possa ajudar à mulher evitá-lo a tempo.

A princípio, a advogada Teresa Torrico convoca as mulheres a se interessarem por saber como seu parceiro trata a sua mãe e irmãs, investigar os antecedentes familiares para saber se provem de um lar onde se vivia em violência e observar se há uma mudança brusca quando consome álcool.

Também avalia conveniente estar atenta a sinais como o controle sobre seus telefonemas, atividades nas redes sociais e na rotina de vida.

Bolívia está entre os países da região que criminalizaram o feminicídio e pune com uma condenação máxima de 30 anos de prisão sem direito a indulto.

Mas ainda precisa gerar mais consciência para banir de uma vez a mentalidade machista, que inclusive mancha as conquistas e vai contra os princípios do processo de mudanças iniciado em 2006.

Por isso, muitos grupos comemoraram este 25 de novembro, Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a Mulher, com uma maior reivindicação pela punição exemplar aos autores de atos que constituam dor e luto às famílias bolivianas.

Fonte: Prensa Latina