Falta de quórum impede instalação de CPI para investigar abusos na USP

A comissão parlamentar de inquérito (CPI) criada para investigar denúncias de violações de direitos humanos na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e demais universidades paulistas deixou de ser instalada nesta terça-feira (16) por falta de quórum.

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Seria necessária a presença de, pelo menos, cinco dos nove deputados escolhidos para compô-la, mas somente quatro parlamentares de oposição compareceram. Um quinto deputado, Carlos Bezerra Jr. (PSDB) chegou à sessão após os 15 minutos de tolerância permitidos pela Assembleia Legislativa de São Paulo. Por isso, embora completasse o quórum necessário, não foi possível instalar a comissão.

Participaram da sessão os deputados Adriano Diogo (PT), que propôs a CPI, Marco Aurélio (PT), Sarah Munhoz (PCdoB) e Carlos Giannazi (PSOL), além de Carlos Bezerra JR. Os ausentes foram Bruno Covas (PSDB), Ulysses Tassinari (PV), Jorge Caruso (PMDB) e José Bittencourt (PSD). “Houve intercorrência no caminho, o que me impediu de chegar no horário, mas fiz questão de participar, demonstrando compromisso”, explicou Bezerra a jornalistas.

O nome dos membros da CPI já foi publicado no Diário Oficial. Falta definir o presidente, o vice-presidente e o relator da comissão, o que ocorreria hoje, se ela tivesse sido instalada. Também seria definido o calendário de trabalho e foram apresentados os primeiros requerimentos convocando diretores e alunos da USP para depoimentos.

O deputado Adriano Diogo solicitou nova tentativa de instalação da CPI para esta quarta-feira (16) à tarde, a partir das 14h. Já o líder da bancada do PT, João Paulo Rillo, ameaçou obstruir a votação do Orçamento do estado, caso a CPI não tenha quórum necessário para ser instalada.

“Até hoje, não sabia, não tinha informação [de uma manobra do governo para esvaziar a CPI] e estava na maior tranquilidade. Mas deve ter ocorrido algum elemento que mudou a conjuntura. Eles [deputados da situação] garantiram as assinaturas necessárias para a criação da CPI e agora estão recuando”, lamentou Adriano Diogo.

Carlos Bezerra prometeu participar da sessão de amanhã, garantindo quórum necessário para a instalação da CPI. Ele negou que o atraso tenha sido uma manobra do governo para tentar esvaziar a CPI. “Não existe nenhuma manobra. Tanto é que estou aqui”, ressaltou.

Para Maria Ivete Castro, médica-assistente do Hospital das Clínicas e coordenadora do Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual, que funciona há 14 anos no hospital, a CPI é “importantíssima, para dar visibilidade” ao tema.

Segundo ela, as denúncias de violações na Faculdade de Medicina abalaram os professores. “Todos ficaram abalados, entristecidos. Como educadores, em algum ponto, houve falha para que isso ocorresse. Sabemos que a violência é sem fronteiras e está em todos os lugares. Ela também pode ultrapassar os muros da faculdade. Teve impactos, cacos estão sendo recolhidos, mas o mais importante é que as condutas sejam adotadas”, salientou a médica.

Maria Ivete também fez parte da comissão formada para apurar denúncias de violações na faculdade. “Ouvimos muitos alunos nesses três meses de trabalho e entregamos relatório para a congregação [da faculdade] em novembro, com indicações de estratégias para solução dos casos”, acrescentou. Entre as propostas incluídas no relatório, estão o acolhimento e a proteção das meninas que sofreram algum tipo de violência.

A médica disse que nem todos os casos que chegaram a seu conhecimento foram incluídos no relatório, porque muitas meninas não quiseram fazer a denúncia ou se expor. “Nos relatos, os casos de violência sexual chegam perto de 12, mas registrados pelas meninas são poucos. A maioria não contou nem para os pais”, comentou.

Nesta quarta-feira (17), por volta do meio-dia, integrantes de movimentos da USP pretendem fazer um ato em frente à reitoria. “Vamos denunciar o que está ocorrendo e exigir medidas concretas. Também vamos protocolar nossa carta de reivindicações e depois estaremos aqui, na Assembleia, para fazer pressão”, adiantou Letícia Pinho, estudante de Ciências Sociais e integrante do Movimento Mulheres em Luta e da Frente Feminista da USP.

Segundo ela, o movimento costuma receber até três denúncias por mês. “Em muitos casos, as vítimas não se sentem confortáveis para denunciar. Alguns foram denunciados em instâncias oficiais das universidades, mas foram abafados. Isso é muito grave”, criticou.

Letícia lamentou que a CPI não tenha sido instalada hoje. “Foi uma tentativa deliberada para não se averiguar o que ocorre na USP. Há casos surgindo até mesmo fora da Faculdade de Medicina. Eles [deputados] ficam adiando e postergando a instalação da CPI. Para mim, é um absurdo o que ocorreu hoje. É inadmissível que tenha sido por falta de quórum. Como é que eles, sabendo de tudo isso, não chegaram aqui às 14h para instalar a CPI?”, indagou.

A CPI, aprovada e criada no início deste mês, terá 120 dias para investigar as violações nas universidades de São Paulo

Fonte: Agência Brasil