A festa do Bonfim é herança de outras festas

Em contraponto à visão de Odorico Tavares, publicamos um artigo de Nelson Cadena sobre as festas populares da Bahia. O autor lança este mês, em Salvador, o livro Festas Populares da Bahia – Fé e Folia.

Nelson Cadena - Divulgação

Leia na íntegra a Festa do Bonfim é herança de outras festas de Nelson Cadena: 

Ninguém sabe ao certo quando começou a Festa do Bonfim e essa coisa de fixar como data cronológica do evento o ano de 1745, referência da devoção instituída por Teodósio Roiz de Farias quando trouxe a imagem do santo de Lisboa, é meio que uma forçada de barra. Até por que a imagem então foi conduzida até a igreja da Penha onde ficou por quase uma década, até sua definitiva condução para a Igreja do Senhor do Bonfim, logo que concluídas as obras do templo.

Em todo caso a Festa do Bonfim, no sentido de festa com ampla participação popular, é herdeira de outras festas realizadas muito antes da entronização da dita imagem, em Itapagipe: as festas de Nossa Senhora da Guia e em especial as de São Gonçalo, o santo casamenteiro e da fecundação, cujo culto causava arrepios no clero baiano.

Foi a lavagem da Igreja da Penha e mais tarde da Igreja do Bonfim pelos devotos de São Gonçalo, o povo de santo da Bahia com suas danças e batuques considerados “lascivos” pelo bispo, que inspirou já no final do século XIX a lavagem das escadarias e a procissão da quinta feira. Dom Romualdo então escandalizado com as danças de mulheres “seminuas” dentro da igreja no ritual da lavagem proibiu o culto em 1839 e o arcebispo Luis Antônio dos Santos em 1890 fechou a igreja e acionou a polícia para impedir a lavagem do adro, já era a Festa do Bonfim.

No ano seguinte o povo de santo da Bahia não se intimidou e lavou as escadarias e assumiu o Senhor do Bonfim efetivamente como Oxalá, sincretizando a devoção que a igreja católica fazia questão de reprimir, ou pelo menos delimitar os seus rituais. A igreja manteve o novenário e tentou interferir na procissão que passou a ter os seus rituais estabelecidos pelo candomblé. E o culto a São Gonçalo de Amarante que inspirou tudo isso foi transferido para o Rio Vermelho e já no século XX desapareceu por completo.

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*Nelson Cadena é jornalista e escritor. Lança este mês o livro “Festas Populares da Bahia – Fé e Folia”, é também autor das obras ‘Brasil -100 Anos de Propaganda’ e ‘450 Anos de Propaganda na Bahia’