Pena de morte: atentado contra o direito à vida

Pena de morte - imagem da internet
*Por Robson Marques

O povo vociferasse contra o prisioneiro, exigindo sua crucificação. Jesus Cristo foi acusado pelos sacerdotes judeus perante Pôncio Pilatos, o governador da Judéia. Pilatos mandou, então, flagelá-lo e depois exibi-lo, ensanguentado, mandou trazer um condenado à morte, ladrão e assassino, chamado Barrabás, e concedeu ao povo o direito de escolher qual dos dois acusados deveria ser crucificado. Jesus foi condenado a morte.

A execução do brasileiro Marco Archer Cardoso na Indonésia, que foi preso quando tentou entrar do País, pelo aeroporto de Jacarta, com 13,4 quilos de cocaína escondidos em uma asa-delta desmontada em sete bagagens, trouxe à tona a discussão sobre a eficácia e justiça desse tipo de punição.

A grande maioria dos países democráticos condena a pena de morte, inclusive o Brasil, cuja Constituição é expressa ao vedar essa modalidade de punição, salvo em caso de guerra declarada, embora aqui e acolá se encontrem alguns defendendo esse tipo de pena, especialmente sob o argumento de que ela seria uma forma de combater ou pelo menos diminuir a violência que a cada dia aumenta mais entre nós.

Em março de 2008, a Agência das Nações Unidas para o combate às Drogas e ao Crime expressou a necessidade de se eliminar a aplicação da pena de morte em crimes relacionados com drogas. A aplicação da pena de morte para esses crimes é uma violação da lei internacional. No artigo 6º, alínea 2, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos pode ler-se: “Nos países que não tenham abolido a pena capital, só pode ser imposta a pena de morte para os crimes mais graves.”.

Para além da Indonésia, a China, Irã, Malásia, Arábia Saudita e Singapura são alguns dos países que executam pessoas por praticarem crimes relacionados com drogas. No entanto, não existem quaisquer provas que evidenciem que a aplicação da pena de morte para esses crimes tenha um efeito dissuasor mais forte do que sentenças de longos períodos de prisão.

Um Relatório Especial das Nações Unidas para Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias em 2010, pronunciou-se que “a morte não se constitui como uma resposta apropriada para o crime de tráfico de droga.”

Concordo com aqueles que como Dalmo Abreu Dalari afirmam que “a pena de morte é um assassinato oficial, que desmoraliza os países que o pratica, sem trazer qualquer benefício para o povo”, pois além de não evitar o crime foge do seu principal objetivo, qual seja, o punir ressocializando o criminoso para ser devolvido à sociedade. Ademais, esse tipo de pena atenta contra o direito fundamental à vida violando os princípios norteadores do respeito aos direitos humanos proclamados nas mais diversas Declarações Internacionais e em Tratados Internacionais de Direitos Humanos.

A pena de morte é algo inútil, pois sequer tem o condão de diminuir o número de crimes inclusive sem permitir com que o apenado possa meditar sobre os malefícios de seus atos e talvez por isso mesmo não previna contra novos delitos, o que reafirma a inutilidade desse tipo de pena que, repita-se, além de sequer diminuir o número de crimes, não os evita e mais grave de tudo, impede que o criminoso reflita sobre as conseqüências de seus atos.

Ademais, a vida é o maior bem da humanidade e ninguém tem o direito de eliminá-la, nem mesmo o Estado por mais grave que possa ser a conduta do criminoso. Se não houver respeito à vida humana, se não houver o reconhecimento de que a vida o bem mais precioso do homem, todos os demais direitos humanos serão violados e ninguém terá segurança.

É preciso combater com vigor o crime. Todavia, seus autores devem pagar pelos seus delitos submetendo-se às penas compatíveis com a gravidade de seus atos de modo a fazê-los meditar sobre o mau causado com a reparação dos danos sofridos por suas vítimas. Entretanto, e ao mesmo tempo, devem ser reeducados para através de um processo de ressocialização serem posteriormente devolvidos ao convívio social. É este o sentido teleológico e humanitário da pena, o que a punição com a morte não tem. A pena de morte não passa de uma inadmissível vingança na velha e desumana forma do “olho por olho, dente por dente”, de há muito ultrapassada especialmente nos países democráticos.

A execução da pena de morte “é um assassinato premeditado”, na medida em que é quem Estado quem programa o assassinato, marca dia e hora, contrata o assassino e usa de toda sua força para transportar a pessoa que vai ser assassinada para o local em que a morte ocorrerá.

Registre-se, por outro lado, que a pena de morte, uma vez aplicada não há qualquer possibilidade de revisão, mesmo que se saiba com absoluta certeza que houve erro, que o executado era inocente e que a condenação foi injusta e isso tem acontecido não raras vezes naqueles países que ainda adotam esse tipo absurdo de pena.

Aqui mesmo no Brasil, vale recordar, a última execução de pena de morte ocorreu no final do século XIX e foi fruto de um erro judiciário irreparável, reconhecido quando já nada mais se podia fazer porque não havia como devolver a vida à pessoa injustamente morta pelo Estado. O réu, Mota Coqueiro, tinha sido forçado a confessar a autoria de um homicídio e por isso foi morto, assassinado “sob as bênçãos do Estado” e “as orações da Igreja”.

Também não se pode esquecer o terrível erro judiciário de foram vítimas dois simples trabalhadores rurais em Araguari (MG) – os irmãos Naves – envolvidos em uma briga com um colega de trabalho e logo em seguida desapareceu. Os únicos fatos conhecidos eram a briga recente e o desaparecimento da pessoa, mas ligando as duas coisas os irmãos Naves foram acusados de assassinato, agravando com a ocultação do cadáver. Imediatamente presos, confessaram na prisão a autoria do crime e foram condenados, porém alguns anos depois, quando um deles irmãos Naves já havia morrido na prisão e o outro continuava preso, a suposta vítima reapareceu, viva e disposta a esclarecer a história. Não tinha havido assassinato algum e os dois irmãos eram inocentes. Depois da briga, temendo sofrer alguma violência, o trabalhador que havia brigado com os Naves decidiu mudar-se para um lugar bem distante. Como era solteiro e pobre carregou nas costas tudo o que possuía e foi para longe sem dar notícia a ninguém. Acusados do assassinato e tendo sido violentamente espancados na prisão os irmãos Naves confessaram a autoria de um crime que jamais haviam cometido. E assim foram condenados, felizmente não a pena de morte.

Fatos como esses e outros tantos que acontecem com razoável frequência inclusive aqui no Brasil, quase sempre ou sempre tendo como vítimas pessoas despossuídas, sem recursos inclusive para pagar bons advogados para defendê-las, o risco de condenação de inocentes é ainda maior. Portanto, inadmissível sob todos os aspectos a implantação da pena de morte como apressada e irrefletidamente apregoam alguns menos avisados.

A execução de Marco Archer Cardoso nos leva a meditar mais uma vez sobre a ineficácia social e a desumanidade da pena de morte, em que pese o crime por ele cometido.

A natureza humana, após séculos e séculos, continua a mesma que um dia gritou: "Crucifica-o!!!".

*Robson Marques é membro da Comissão Politica do PCdoB Pará