Fátima Teles: A mercantilização do carnaval soteropolitano

Já não há mais como cantar ”atrás do Trio Elétrico só não vai quem já morreu” na Bahia de Todos os Santos, pois, aquela que é considerada a maior festa popular do Brasil, o carnaval, foi elitizado e mercantilizado.

Por Fátima Teles*, para o Vermelho

primeiro trio elétrico - Reprodução

Foi incorporado à onda neoliberal do capital fetiche e ficou restrito às classes privilegiadas que abandonaram os cordões e fecharam-se nos luxos dos camarotes ou nos blocos, cordões fechados por compra de abadás. Portanto hoje, atrás do trio elétrico só não vai a classe menos favorecida, a classe que vive de salário suado e só vai atrás do trio elétrico quem pode pagar caro, uma minoria que concentra renda de alguma forma.

A multidão de pessoas animadas entre pobres e ricos, brancos e negros que acompanhavam o cordão desde o tempo dos pioneiros Dodô e Osmar já não canta mais junto, devido a separação mercantilista que envolve essa festa “popular”.

Dodô e Osmar inventaram o trio elétrico através de um Ford 29 funcionando com som amplificado ao ritmo do frevo elétrico e ali estava criado o que viria ser o famoso trio elétrico que mais tarde não arrastava multidões iguais em espírito carnavalesco, mas a criação terminou passando pelo processo do capital contemporâneo que realiza o apartheid social , excluindo pessoas ao ponto de deixá-las fora da festa, apenas vendo a banda passar.

Os investimentos no mercado turístico a partir do Carnaval eleva o consumo e impulsiona a economia local e do Estado, uma vez que milhões de reais ficam na terra dos Orixás. Porém, isso termina prejudicando a classe que vive do trabalho já que os empregos ofertados são temporários sem nenhuma segurança ou estabilidade, gerando renda para os trabalhadores apenas em um mês, precarizando o trabalho e desvalorizando a classe.

A elitização do carnaval termina por provocar a perda da identidade cultural dos blocos de rua com cordões de pessoas ao som de marchinhas cantadas pela voz da multidão em percursos longos, pelas ruas da cidade com seus estandartes anunciando seus blocos. Com o fechamento do carnaval ao som estridente de vários trios elétricos, há uma inibição para a saída dos blocos de rua , além do tráfego ficar dificultoso nos arredores do evento Barra/Ondina, onde acontece a folia fechada, a Cidade favorece a visibilidade em grande estilo desse carnaval de elite em detrimento das pessoas que apenas veem na chamada “pipoca”(termo que designa as pessoas que assistem ao carnaval fora dos blocos pagos).

A festa já não é mais popular, mas é a festa de uma minoria privilegiada. Olhando para o carnaval de salvador lembramos do compositor baiano Gilberto Gil quando ele canta “ ó mundo tão desigual, tudo é tão desigual, de um lado esse carnaval, de outro a fome total…”

Enquanto essa minoria privilegiada faz dos camarotes noites de luxo, nos barracões da cidade soteropolitana homens e mulheres trabalham e cantam suas marchinhas apenas pela janela minúscula de madeira, sentindo não só a fome de alimentos, mas a fome de lazer e de cultura.
É imperioso revolucionar o carnaval fazendo voltar à africanidade soteropolitana, às suas raízes culturais, para que não se deixe morrer os cordões populares, mantendo a alegria desse povo que faz da vida um eterno festejar.

Que essa festa não perca sua alma cultural e não fique descaracterizada pela força da indústria do carnaval, mas que essa festa seja repensada pelas esferas públicas para que possa ser incluída nela momentos culturais que venham atender todos os públicos e assim todos e todas possam participar e se sentirem inseridos nessa festa que é do povo e que tem o intuito de trazer a alegria para o povo.

Que o axé não seja apenas servido à mercantilização do Carnaval, mas que possa estar presente na alma e na voz de toda a gente baiana.

*Fátima Teles é assistente social

Referências:

dialogos.ftc.br/index.php?option=com_docman&task=doc…

http://dialogos.ftc.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=315&Itemid=15

http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/02/carnaval-de-salvador-e-o-processo-de-elitizacao-dos-espacos-publicos.html