Morre vítima de infarto Marco Albertim, colunista do Vermelho

Morreu, neste sábado (11), vítima de infarto fulminante, escritor pernambucano, comunista e o colunista do Portal Vermelho, Marco Albertim (Marcão), 64 anos, ocorrido na noite desta sexta-feira (10). O velório acontece na Funerária São Sebastião, na Rua Pedro Afonso, 470, em frente ao Cemitério de Santo Amaro, onde o corpo será sepultado.

Marco Albertim

Ao comentar a perda do amigo e camarada de luta, o editor do Vermelho, José Reinaldo Carvalho, que recebeu a notícia na cidade de Natal, durante Conferência do PCdoB, disse estar "chocado e profundamente consternado com a notícia do falecimento do amigo de longa data e camarada. Perdermos um dos nossos melhores colaboradores. Uma perda para a equipe do Vermelho e para os leitores do nosso Portal".

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Gênio nordestino

O pernambucano Marco Albertim nasceu e cresceu em Goiana, entre o Convento do Carmo que abrigara frei Caneca perseguido, e o canavial de usineiros. O contato com a literatura deu-se com sua primeira ocupação: leitor de Jorge Caú, professor do Colégio Pedro II. Em seguida foi repórter-noticiarista do Rádio Clube.

Quatro anos depois, de volta a Recife, torna-se correspondente do jornal Movimento, de oposição aos militares ainda no poder. O jornal não sobrevive. Albertim passa a editar programas radiofônicos de defesa dos direitos humanos – Violência Zero e Acorda Camponês. Trabalha como copidesque no Diario de Pernambuco, e depois repórter. No Jornal do Commercio, exerce as mesmas funções. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”.

A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. E, no entanto, não tem livro publicado. Por que? Para conhecer um pouco mais da sua criatividade e competência narrativa, recomendamos ao leitor que acesse o site “Garganta da Serpente” (www.gargantadaserpente.com) e comprove que não há nenhum exagero na nossa avaliação deste excelente ficcionista. Se exageramos, foi para menos e não para mais Conheçam-no, pois, um pouco mais.

Excepcionalmente, antecipamos a coluna deste gênio nordestino, a qual, pode ler a seguir:


Os operários de Ingrid

Por Marco Albertim

A nudez de Ingrid fora imaginada por todos nós. Nunca o dissemos. Tínhamos medo de infringir a disciplina; e, mais ainda, não queríamos nos expor a censuras com base nos cânones da luta de classes. Nesse caso, ora… ora, seríamos exprobrados como refugos da peleja; inda que carregássemos a peleja íntima de absorver o vernáculo sem lesões de Ingrid, sem reparar na robustez de suas coxas.Ingrid era plena de cabelos, de corpo, de idioma; as pernas, dos joelhos para baixo, tinham cicatrizes de queimaduras de ácido sulfúrico. As feridas tinham sido cicatrizadas, mas a superfície era porosa, suarenta. O ácido fora jogado por estudantes de direita, numa das janelas do Mackenzie. Em que pese o ódio ao CCC, quando entrevíamos as cicatrizes de Ingrid, urdíamos em suas fissuras o corolário da luta de classes. Assim, nutríamos mais ainda o desejo de descobrir os segredos de seu corpo.

Durante uma semana nos reunimos num sítio afastado do Recife. Fomos levados para lá de carro. Quando estávamos na rodovia federal, pediram que fechássemos os olhos. Por segurança não devíamos identificar o local, o local e a proprietária que nos acolheu. Raquel nos acolheu sem os rapapés da pequena-burguesia, e sem receios de pôr cobro na reduzida criação de galinhas, nos fundos da casa. Por trás do galinheiro, corria um riacho estreito, de águas limpas e assobiantes. Em volta da casa, os muitos pés de cajá disputavam o cheiro do fruto com o aroma pluvial vindo do riacho. Sabiás, bem-te-vis, galos de campina; uma pausa na luta de classes.

Chegamos ao fim da manhã, e já uma panela de barro com galinha na cabidela nos foi servida. Raquel, morando sozinha, recebeu-nos como se tivéssemos vindo para compartilhar sua solidão; no fundo, queríamos isso. À tarde, relaxamos, aproveitamos para enxergar vias de fuga, caso a polícia invadisse de surpresa. Raquel não disse onde estávamos, disse que os sítios vizinhos distavam um do outro, dois, três quilômetros. À noite nos juntamos em cadeiras sob um dos pés de cajá. Não havia luz elétrica, nem levamos o candeeiro cedido por Raquel. A luz da lua entre os galhos da árvore, permitiu que distinguíssemos o rosto de cada um.

Ingrid, com a pouca luz e o lume de seus olhos atentos, mais parecia ter descido de Sierra Maestra para dar conta de seu estro guerrilheiro.

– Não vamos ainda discutir as questões. Vamos estabelecer o temário da semana de reuniões que teremos.

Não havia divergências de opiniões. Éramos cinco. Além de Ingrid, Rita era a outra mulher. Baixinha, voz de veludo, lentidão no andar; gestos, olhos e voz, um concerto de carinho. Por isso mesmo, cegos nas observações, fixávamos os sentidos no pragmatismo veloz de Ingrid. Ela tirava proveito para fazer seu discurso de guerrilheira.

– Somos uma entidade de massas e ao mesmo tempo paramilitar.

– Mas não temos sequer um estilingue!?

– Com a ajuda do povo, tomaremos as armas do inimigo.

– Do povo?

– Sim. Nós estamos na casa de Raquel. Ela sabe quem somos e está nos ajudando.

Na manhã seguinte, voltamos para o mesmo lugar. Debatemos o começo do temário proposto por Ingrid. Falamos pouco, porque ela, tão somente ela, tinha o receituário para a derrubada da ditadura.

À noite, depois que nos deitamos para dormir, ouvimos Ingrid falando. Ela se alojara no quarto de Raquel, ela e Rita. Ingrid urdira-se numa assembleia de operários; como nós, todos calados e ouvindo sua peroração revolucionária. Deitados no quarto vizinho, acordamos, levantamo-nos e fomos para o quintal dos fundos. Súbido, a porta se reabriu. Ingrid apareceu envolta no lençol branco. A luz do lado de fora, na cumeeira da casa, alumiou a nudez de seu corpo na transparência do morim.

Chamou-nos de liberais por estarmos do lado de fora, àquela hora da noite. Entramos sem nada dizer. Duas horas depois, só se ouvia o sono silencioso de cada um de nós. Jorge, sentindo a bexiga doer, levantou-se para ir ao sanitário. A porta dos fundos estava aberta. No quintal, deparou-se com Ingrid vindo da casinha do sanitário; nua, murmurando um discurso aos operários atentos ao que ela dizia. Ela passou por Jorge e não o notou.