Publicado 23/04/2015 16:52
Essa é a avaliação do advogado e membro do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, Ariel de Castro Alves. "Como é uma emenda à Constituição, e esta está no ápice das leis brasileiras, isso abre um precedente perigoso. As leis que determinam o que é ou não legal para crianças, adolescentes e adultos se referenciam na idade penal", explicou.
Segundo o conselheiro, a mudança na Constituição não será aplicável somente às questões criminais, como se depreende do debate sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171, de 1993, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. "A partir dos 16 anos eles passarão a ser considerados plenamente responsáveis por seus atos, inclusive criminalmente, como se adultos fossem", destaca Alves. Todo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi construído com base na idade penal de 18 anos.
A PEC está sendo discutida por uma comissão especial na Câmara dos Deputados, que vai elaborar um parecer – favorável ou contrário – sobre a proposta. Depois disso, o projeto tem de passar por duas votações plenárias, em que precisa ser aprovado por 3/5 dos parlamentares (308 deputados). Aprovada, a matéria vai para o Senado, onde será analisada pela CCJ da Casa e terá de passar por mais duas votações e ser aprovada por pelo menos 54 senadores. Se o texto for alterado, a PEC volta para a Câmara. O processo só termina quando as duas Casas concordarem sobre a redação final da proposta.
O conselheiro vai expor a avaliação dele amanhã (23), em audiência na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), do Senado, às 9h. Também vão participar representantes da Procuradoria dos Direitos do Cidadão do Distrito Federal, da Associação de Juízes para a Democracia, da Associação Nacional dos Defensores Públicos, da Rede Justiça Criminal, do Conselho Federal de Psicologia, da OAB, da CNBB, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, do Conselho Nacional de Juventude e do Conselho Federal de Serviço Social.
Alves destaca que a mudança buscando punir com mais rigor os adolescentes, pode ampliar a desproteção que, especialmente a parcela mais pobre deles, já sofre. Leis que criminalizam a corrupção de menores para a prática de crimes ou de atos sexuais, por exemplo, vão se tornar difíceis de ser aplicadas para adolescentes maiores de 16 anos.
"No caso da exploração sexual isso certamente será usado na defesa. Como vai ser considerada vulnerável alguém que responde penalmente?", questionou. Para o conselheiro, a lei que endureceu a punição por corrupção de menores (Lei 12.015 de 2009), relativamente recente, também vai ser minimizada, "porque não faz sentido falar em corromper alguém que responde por seus atos".
Outro aspecto que pode ser afetado pela mudança na maioridade penal são as políticas públicas de prevenção ao uso de drogas lícitas. No dia 17 de março foi sancionada pela presidenta da República, Dilma Rousseff, a Lei 13.106, que tornou crime a venda e a oferta de bebidas alcoólicas, ou outros produtos que possam causar dependência, a menores de 18 anos. A norma prevê detenção, de dois a quatro anos, e multa de até R$ 10 mil. "Isso é uma contradição. A partir do momento em que ele se tornar totalmente responsável pelos seus atos, por que ele vai ser proibido de adquirir bebidas alcoólicas?", questionou o conselheiro.
No caso das drogas ilícitas, se o adolescente for pego fumando um cigarro de maconha, e com mais dois no bolso, os pais são chamados e assinam um termo de responsabilidade, com a condição de encaminhar o menor a uma vara da infância e juventude no primeiro dia útil seguinte.
Com a mudança na Constituição não será mais assim. O tráfico de entorpecentes é considerado crime hediondo. E o adolescente será tratado como um narcotraficante, levado direto a um Centro de Detenção Provisória (CDP), onde aguardará o julgamento preso, sem direito à fiança, com centenas de adultos. "Famílias de classe média que nunca pensaram nessa possibilidade, apoiando a redução da maioridade penal incondicionalmente, deviam considerar essa questão", afirmou Alves.
Outro aspecto pouco observado diz respeito à proteção quanto ao trabalho e à educação do adolescente. Hoje, com menos de 18 anos não se pode ter uma ocupação em período noturno, insalubre ou insegura. Além disso, o ECA garante atualmente que a criança ou adolescente tem o direito ao ensino em escola próxima de sua casa. Os Conselhos Tutelares podem até ingressar com mandados de segurança para garantir o acesso à educação.
"A partir do momento em que a maioridade baixar para os 16 anos, o poder público estará autorizado a se esquivar do problema. Por exemplo, justificando que, como já é maior de idade, a pessoa deverá se responsabilizar por seus estudos, ingressando em escola particular próxima ou custeando o transporte até uma escola pública que tenha vaga", argumentou o conselheiro.
Até mesmo o abrigamento de adolescentes abandonados ou em medida de proteção pode ser afetado, avaliou Alves. Sendo responsável por seus atos, o Estado pode alegar que o adolescente tem condições de se proteger. "Existe o entendimento de que o menor de 18 anos ainda é vulnerável e por isso precisa da proteção do poder público, da família e da sociedade. Com a redução da maioridade, esse entendimento fica prejudicado", concluiu Alves.
Fonte: Rede Brasil Atual