Jonas Onofre, a fusão da música, poesia e a comunicação alternativa
Jonatas Onofre é pernambucano, além de poeta, música e editor do fanzine Telégrafo da Noite, a fusão de vários segmentos em um artista. Seus poemas já foram publicados nas revistas Zunái, Mallamargens, O Mutum e no poral Interpoética.
Publicado 24/04/2015 16:27 | Editado 13/12/2019 03:30
Onofre também integrou algumas antologias, entre elas, Desvio para o Vermelho: Treze Poetas brasileiros contemporâneos (Org. Marceli Andresa Becker – Coleção Poesia Viva – CCSP), Poemas para a Palestina (Org. Claudio Daniel e Khaled Mahassen, Editora Patuá – 2014), lançou o poema Opusfabula (Cepe – 2015) e participou do fanzine Lambadaria (Org. Camillo José e Letícia Leal, produção independente – 2015).
Leia alguns dos poemas de Jonas Onofre selecionados para a Letras Vermelhas:
Jura
Não foi meu o corpo,
talvez,
ela veja as arestas do que perdi,
pelos lados do sol,
esse
nas vértebras
que abre ao caminhar sem
mim,
eu fecho
alguma vontade de ir,
procuro ângulos de corte,
preciso
ver o líquido quente sem fechaduras
seguindo
à gravidade sob meus pés
não sou de jurar
olho no subsolo de meu pecado
e deixo-me esquecer
ela não.
O retratista
Na fundura da arca
branca, mar de flores
esquálidas: perturbando-as
seria um vento de noites em
desalinho e corais aboiando
almas, como se face das águas
fosse aquela represa não
estagnando sob o sopro
da vela, rumo à vala.
Dorme o olho do anjo.
Dorme o olho cheio de sombra.
Dorme o olho da criança morta.
Ou abre essa tarrafa de maldições
sobre as pedras do sertão
Verme-vermelho, stop ebola
Um vírus passeando
na agonia de um rapaz,
escuridões na pele dos pálidos.
Há uma mecânica exata
no ato recorrente de levantar
muralhas, dentro delas a doença
de espelho em espelho
se espalha. Mesmo assim,
o sentimento de dever cumprido
acende a honra enquanto
mais um negro vidra os olhos,
está tudo sob controle,
outros virão recolher os despojos.
Ora, nada de pânico,
estamos a salvo,
estamos imunes, afinal,
nossa carne vedou-se à
carícia desses ventos que
cavalgam serenamente as
vastidões do Atlântico.
Os muros da África gritam
uma espécie frenética de sangue,
a epidemia segue fazendo seus
jardins dentro dos homens,
que é o jeito mais irônico
de devastar seus brônquios,
não bastasse a fome,
com maneiras de ave monocórdia
tangendo intestinos, dedilhando
seus roncos de poeira,
os estômagos ressequidos da
savana, não bastasse a criança,
desfiando-se em pêndulo nos peitos
do esqueleto, arranhando o útero
da terra, antes de os abutres pousarem,
antes de os abutres reclamarem
os ossos que sempre são seus,
nunca basta só a catástrofe,
avizinhando-se do pôr-do-sol,
nunca apenas o riso dos fuzis,
o silêncio absoluto das grávidas,
só os muros vermelhos da África
podem dizer alguma coisa, podem
soluçar em outra língua o pedido de
clemência. A incubação fervilha
no pâncreas verde das favelas,
porém os muros da África são delgados
vermes-vermelhos, suplicando:
stop ebola. Gritam para ninguém,
arrastando seus metros de barro
de um canto a outro, dentro do espasmo,
enquanto o vírus segue
passeando agonias,
só não mais indiferente
do que nós.
A moça da câmera
Suster as lentes como ela faz,
não a posse do instante,
não a captura dos ângulos,
não o rapto das coisas,
não o objeto em seus estados todos de perturbação,
não o salto da rã,
não o aceno dos camaleões,
não a válvula incendiária do verão,
não a penumbra sobre o sono,
não a cidade sob o semáforo,
não o autorretrato da asfixia,
não a bifurcação dos álbuns de casamento
não a placidez dos berçários
não a paciente arte de ouvir os vultos
não o poema, copioso adultério do fato,
não o poeta esparramado em seus dicionários
não a máquina de ver pelo avesso
não o artifício, a fuga, o segredo,
Não, apenas suster as lentes, como ela faz,
e atravessar a fotografia,
como se rezássemos ao vazio, no fundo cheio
de uma cisterna.
Dromedários
Eles passariam trazendo
silêncios em sacos de areia,
mastigando, ainda antes,
as pedras, cactos e escorpiões
de um último deserto
a ser cruzado.
E nós ficaríamos aqui,
fitando-os, vendo a aridez
de suas tatuagens na terra
bifurcando desenhos e mapas,
rotas de comércio, trilhas de
contrabando, jornadas.
Perturba-nos percebê-los
passando e levando em seus
lombos, cingidos como de
muitos abcessos, as peças
mais obscuras de uma paisagem.