Jandira Feghali: “Destruir o PT fere a esquerda inteira”

Líder do PCdoB, aliado histórico do Partido dos Trabalhadores, a deputada federal Jandira Feghali, em entrevista ao Brasil 247 disse acreditar que "conseguiram carimbar uma marca de corrupção no PT, o que não é justo no conjunto do partido"; para ela, o interesse da oposição em formalizar um pedido de impeachment contra a presidenta Dilma está em interromper a investigação que está em curso e ainda manter os atuais pilares do sistema político

Jandira Feghali

Os ataques desferidos diariamente contra o PT são prejudiciais a toda a esquerda brasileira. As palavras são da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), em entrevista que concedeu ao Brasil 247 nessa semana. "Não ficamos nenhum pouco felizes com os ataques ao PT, isso é muito ruim. Não tenho nenhum prazer, nenhuma felicidade em ver o PT como ele está", declarou Jandira. Para ela, "conseguiram carimbar uma marca de corrupção no PT", o que é injusto.

Na conversa que segue abaixo, a parlamentar conversou ainda sobre reforma política e defendeu medidas para a inclusão de mulheres no parlamento – como a cota de 30% nos cargos legislativos. Única líder mulher na Câmara dos Deputados, Jandira Feghali explica que, apesar das muitas conquistas das mulheres por direitos, elas não estão "vinculadas ao poder econômico", e por isso "não têm dinheiro", nem "estrutura" para chegar ao Congresso, onde o percentual feminino não chega a 10%.

A deputada é também uma das maiores críticas ao pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Adin (Ação Direita de Inconstitucionalidade) que prevê o fim do financiamento privado de campanhas. Mesmo com um plenário já decidido pelo laçar de seis votos a um, o ministro trava o julgamento por mais de um ano. Para Jandira, a decisão, se colocada em prática, "muda muita coisa" no sistema político. "Equalizaria mais a disputa, incluindo outros segmentos, porque hoje é impossível competir com campanhas cada vez mais hollywoodianas".

A líder do PCdoB também é dura crítica do que chama de "agenda conservadora e preconceituosa" imposta pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e anuncia uma frente progressista para combater as ideias do deputado, a exemplo do que acontece no Senado neste momento, em uma ação liderada pelo senador petista Lindberg Farias (leia mais). Ela diz que Cunha "atropelou o regimento interno" da Casa durante a votação do projeto que regulamenta a terceirização, o PL 4330.

Leia abaixo a íntegra da entrevista:

Gostaria de começar com o tema da reforma política. Você é uma das maiores defensoras na Câmara de que o ministro do STF Gilmar Mendes destrave o julgamento que proíbe doações privadas a campanhas eleitorais. Qual a importância dessa decisão para a mudança do sistema político?

A importância não é nem do voto dele, a importância é que ele devolva o julgamento, seja qual for o mérito. O STF já se pronunciou por maioria. Ele não tem o direito é de obstruir a votação. Ele obstruiu, vetou, aguardando que a Câmara constitucionalize o financiamento empresarial. Ele está articulado com a Câmara, aguardando a Câmara votar a reforma política, para que a decisão do Supremo vá por terra. É uma coisa bastante articulada no sentido de aguardar a decisão da Câmara.

Mas com quem seria essa articulação, com o presidente da Casa, Eduardo Cunha?

Com quem ele conversou, eu não sei. Mas sei que assim que o presidente da Câmara assumiu, o primeiro item foi instalar a comissão para discutir o tema. Se o ministro está articulado diretamente com ele, eu não posso falar. Mas ele está articulado.

Recentemente o ministro Gilmar Mendes comentou que às vezes o pedido de vista é necessário, pois se percebe que o voto "correto" estava no voto vencido.

É uma visão autoritária. "A minha obstrução sobre a maioria do Supremo que já votou". Isso é ruim não só porque ele fragiliza a própria corte à qual ele pertence como ele se acumplicia com a corrupção, contra a demanda da sociedade, a necessidade de transparência, com o que há de pior.

Mas o que muda com essa decisão final do Supremo, de proibir as doações privadas?

Muda muita coisa. Porque o quadro que nós temos aqui na Câmara é mais adverso. Há a pluralidade, as minoras… se é que elas devem ser chamadas de minorias, negros e mulheres. Não há vinculação dessas minorias com o poder econômico. As campanhas estão cada vez mais hollywoodianas, não há como competir com isso, é impossível competir sem uma campanha minimamente estruturada. O horário gratuito não é gratuito – o partido não paga, mas a população paga. São milhões para se fazer uma campanha. Tem que se ter um mínimo e um teto. Assim se equalizaria mais a campanha. O novo sistema [de financiamento público] possibilita maior equalização, a possibilidade de outros setores entrarem na disputa. Claro que quem quiser fazer caixa 2, vai fazer, mas vai ficar mais fácil identificar. É impossível pensar uma pauta avançada com esse quadro que temos aqui. Estamos voltando ao século XIX, atrás do código penal.

Ainda sobre reforma política, você é única líder mulher na Câmara dos Deputados. Por que a política brasileira é formada por uma esmagadora maioria de homens até hoje, mesmo com a conquista das mulheres em tantas áreas? E qual sua proposta nesse sentido?

A cota nas chapas foi uma iniciativa que se teve aqui no início de 2000, de 30% de mulheres nas chapas. Isso ajuda, mas não resolve. Tem muito partido que preenche a cota com "laranja", essas campanhas de fato não acontecem. Para entender, tem que pegar o lado cultural. Até dez anos atrás, nem as mulheres votavam nas mulheres. A postura de submissão na sociedade reflete no seu voto, você mantém isso na sua expressão política. A chamada opressão de gênero na vida leva você a ter um voto nesse sentido, de acreditar que os homens têm que mandar.

O Brasil está mais atrasado em relação a isso. Temos hoje a presidente da República mulher, mas em outras indicações, há menos mulheres. O Judiciário tem mais mulheres porque é concurso. No parlamento, como as mulheres não ficam vinculadas ao poder econômico, elas não conseguem chegar aqui, não têm dinheiro, não têm estrutura. Ou elas vêm por sua própria trajetória, algumas são filhas, outras esposas de parlamentares, e acabam chegando, ou por seus setores. Nem todas vêm exatamente de movimentos sociais, como é o meu caso.
Estamos propondo então termos 30% nas cadeiras do parlamento, não nas chapas. Imagine um distritão, que eu espero que não passe. Os 46 mais votados de um partido, mesmo que as mulheres não estejam entre os 46, têm que passar os 30%.

Durante a votação do PL 4330, da terceirização, você tentou retirar uma emenda de autoria do PSDB que, segundo seu discurso, distorcia a emenda original. Qual sua avaliação sobre a decisão do presidente da Câmara, naquele momento, que se baseou no Regimento Interno para que isso não acontecesse?

O regimento foi literalmente atropelado, não só naquele momento, mas em outros também, por isso a revolta foi crescendo. Pelas várias dificuldades de se cumprir o regimento quando não convém. O projeto da terceirização é a maior reforma da CLT desde que ela existe. E às vezes uma parte do mundo do trabalho não se dá conta disso. Aqui a composição é predominantemente empresarial, então se preocupa a favor dela. Liberar a terceirização para as atividades-fim representa um grave impacto na previdência social e uma interferência na empresa que é especializada – se é especializada, vai terceirizar por quê? É uma coisa assim muito grave e quando a gente tentou incluir um dispositivo que permitia que os trabalhadores terceirizados ganhassem os mesmos benefícios conquistados via sindicato de trabalhadores diretos, eles pegaram essa emenda e incluíram uma alteração que estendia para órgãos públicos. Não podiam fazer isso em cima da minha emenda, porque não se tratava disso. Ou seja, caos geral. E os terceirizados acham que estão sendo protegidos.

Por que haveria uma grande parcela achando que está sendo protegida?

Há campanhas pesadas do setor empresarial, da Fiesp, em rede nacional, horário nobre, no meio da novela. Então a informação pela grande mídia levou a essa compreensão de uma parte deles que estávamos votando errado.

Há expectativa de que o Senado altere o projeto?

Eu quero que o Senado derrote o projeto, porque qualquer coisa vai voltar e vai prevalecer a decisão daqui. Se não derrotar, que demore os 11 anos que demorou aqui. Por que antes não votou aqui? O Senado tem que debater com profundidade, fazer nova audiência pública… tem que rejeitar. E a presidente tem que vetar, mesmo correndo o risco de derrubar o veto aqui também.

De qualquer forma, ele voltando para a Câmara, não é possível que não se derrube o veto presidencial, já que houve uma grande diferença entre a primeira e a segunda votação na Casa, em um período de duas semanas, deixando o resultado mais empatado?
Eu acho que sim. Existe essa possibilidade dependendo do movimento sindical.

Alguns senadores articularam na semana passada uma frente suprapartidária contra a gestão do deputado Eduardo Cunha na Câmara, não apenas por conta do PL 4330, mas contra o que chamaram de "agenda conservadora". Você concorda com esse movimento e com essa definição da condução de Cunha?

Igual nós estamos criando aqui, já começamos a nos reunir na quarta-feira passada (22), um grupo de parlamentares com cabeça mais aberta a esses temas para se construir uma agenda unificada e prevalecer a agenda da Câmara. Não podemos ficar andando atrás de uma agenda conservadora, preconceituosa, que retira direitos, sem uma atitude firme nossa. O encontro foi em um café da manhã na minha casa. Fizemos uma primeira reunião de um grupo político, um núcleo, e a partir daqui cada um ficou responsável de conversar com uma turma.

O presidente da Câmara afirmou recentemente que a avaliação negativa da população em relação ao Congresso caiu em razão da pauta colocada por ele. "A Câmara está votando. A Câmara antes estava, de certa forma, presa, era uma instituição sem votar. Com a Câmara votando, mostrando trabalho e, ao mesmo tempo, estando com pautas de encontro com as da sociedade, são dois fatores positivos", disse. Qual sua visão sobre essa declaração?

De jeito nenhum. É porque na verdade o que se divulgou é que o Congresso está trabalhando, não é a agenda, a pauta. É mais o procedimento que o conteúdo.

O PCdoB é um aliado histórico do PT. Considera que esse seja o momento mais difícil do partido?

Eu acho que o PT está vivendo de fato um momento dificílimo. Conseguiram carimbar no PT uma marca de corrupção, o que não é justo no conjunto do PT. E essa aliança com o PT vem desde 89 em torno de um projeto que tem o PT como o maior partido. Mantivemos perseguindo um projeto. Sempre tivemos muito respeito pelo PT, como sempre tivemos pelo PSB, pelo PDT, por sua história. Hoje o quadro está muito mudado né, o PSB está na oposição…

O importante é que o PT reavalie sua própria agenda. O ataque ao PT é ruim para a esquerda inteira. Não ficamos nenhum pouco felizes com os ataques ao PT, isso é muito ruim. Não tenho nenhum prazer, nenhuma felicidade em ver o PT como ele está, precisamos ter um projeto nacional para esse País. Eu acho que a gente poderia ter politizado mais a sociedade do que politizou. O PT é um partido importante pra o Brasil.

Qual sua opinião sobre a tentativa de formalizar um pedido de impeachment contra a presidente Dilma por parte da oposição?

Não tem base nenhuma. Li essa semana um artigo de um professor da UERJ chamado Alberto Cardoso. Ele diz que o impeachment piorou a corrupção. Ele pode levar à paralisação da investigação que está correndo atualmente e manter os atuais pilares. Imaginar que eles querem preservar o petróleo, a maior empresa brasileira e acabar com a corrupção… isso eles mesmos já estão dizendo que não querem. Se a investigação está correndo, paralisar por quê? Porque pode chegar neles também. Eu acho que o que houve foi uma não aceitação da derrota.

No ano passado você retirou sua candidatura ao governo do Rio de Janeiro para apoiar o senador Lindberg Farias (PT-RJ). Tem intenção de se candidatar à Prefeitura em 2018?

Eu acho que hoje qualquer definição é absolutamente precipitada. Há aí uma reforma política que a gente não sabe no que vai dar. Eu acho muito difícil de tomar qualquer decisão nesse momento.

Fonte: Brasil 247