Senado discute proposta da sociedade para legalizar o aborto 

A proposta de interrupção voluntária da gravidez até as 12 primeiras semanas de gestação, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), foi discutida em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, nesta terça-feira (5). Para os defensores da proposta, as mortes de mulheres em razão de abortos clandestinos e a garantia da mulher de optar sobre se deve ou não reproduzir justificam a liberalização.  

Senado discute proposta da sociedade para legalizar o aborto - Agência Senado

Henrique Batista da Silva, secretário-geral do Conselho Federal de Medicina (CFM), foi um dos que observaram que a ilegalidade do aborto não tem impedido sua prática no país. Segundo ele, os abortos respondem por 11,4% do total de óbitos maternos e as complicações do aborto inseguro representam a terceira causa de ocupação dos leitos obstétricos. Seriam mais de 200 mil internações anuais no SUS para curetagens pós-aborto.

A audiência da CDH foi a primeira de uma série programada para orientar a decisão sobre sugestão, vinda da sociedade, sobre projeto de lei para legalizar o aborto até 12ª segunda semana de gestação, com o suporte do SUS. A proposta chegou ao Senado por meio do Portal e-Cidadania, com apoio de mais de 20 mil pessoas. Para passar a tramitar como projeto, o texto depende da aprovação na comissão.

As audiências foram solicitadas por requerimentos dos senadores Paulo Paim (PT-RS), que preside a comissão, e Magno Malta (PR-ES), relator da matéria, que se revezaram na coordenação desse primeiro debate.

Malta garantiu que não vai fechar seu relatório a “toque de caixa”. Disse que vai, inclusive, promover encontros entre defensores e críticos da proposta com demais senadores da comissão, em almoços de trabalho, para que os colegas possam formar melhor juízo sobre o tema.

No Brasil, apenas em três situações o aborto deixa de ser crime e pode ser feito de modo assistido em unidades do sistema público de saúde: em caso de gravidez resultante de estupro, de risco à vida da mãe e quando a gestação for de feto anencéfalo. Em qualquer outra hipótese, a prática do aborto ou sua promoção pode acarretar de um a quatro anos de prisão, nos termos do Código Penal.

Guerra de dados

Ana Maria Costa, presidente do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes), lamentou a “guerra de dados” sobre a prática do aborto, com informações lidas a partir dos “valores e moralidade” de cada um.

Depois de lembrar que a maioria dos países civilizados já legalizou o aborto voluntário no início de gestação, ela disse que o tema diz respeito à democracia brasileira, sobre retirar a mulher da condição de uma cidadania rebaixada.

Ilka Teodoro, que coordena a Comissão da Mulher da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal, afirmou que manter o aborto na ilegalidade criminaliza a mulher, cria sobrecarga no sistema de saúde e fragiliza vidas. “Esse debate aqui é sobre as mulheres que escolhemos deixar morrer em decorrência sobre maus procedimentos abortivos”, destacou Ilka.

A presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Maria do Socorro Souza, salientou que as mulheres possuem capacidade para refletir e decidir sobre o que é melhor para si mesmas em relação à concepção. Ela criticou posições morais “injustas” com quem opta pelo aborto, sobretudo porque são as mulheres que, historicamente, cuidam da vida ao atender as necessidades das crianças e dos idosos das suas famílias.

Direito de decidir

Maria do Socorro observou ainda que o Brasil é parte em acordos internacionais que obrigam o país a desenvolver políticas em favor dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Em reforço, Rosângela Aparecida Talib, do Movimento Católicas pelo Direito de Decidir, disse que os direitos reprodutivos são considerados direitos humanos e, portanto, cabe ao Estado atuar para que sejam cumpridos.

“Tudo que a gente quer é que as mulheres sejam recebidas no nosso serviço e que ninguém coloque o dedo no nariz dela para dizer o que deve ou não fazer. Vivemos num país laico, e é sua consciência esclarecida que vai lhe dar um norte”, comentou Rosângela.

Maria Esther Albuquerque Vilela, que representou o Ministério da Saúde, destacou que a assistência no campo dos direitos reprodutivos inclui a obrigação de oferta de serviços públicos de orientação e de amplo leque de métodos contraceptivos.

A senadora Regina Sousa (PT-PI) criticou a criminalização do aborto e alerta para um olhar mais humanitário sobre o assunto. Ela relatou a história da sua avó, que era parteira no interior do Piauí e acolhia mulheres que estavam "perdendo o bebê", como se falava na época.

“A sociedade deve despir-se das questões religiosas, das disputas ideológicas, da guerra dos números e estatísticas e lançar um olhar mais humanitário para a questão do aborto”, declarou, apontando as diferenças entre as mulheres ricas e pobres no que se refere à assistência nessas situações.

Do Portal Vermelho
De Brasília, com Agência Senado