Contra novo governo de extremos em Israel, compromisso com a Palestina

Benjamin Netanyahu pode continuar seu esforço por nublar qualquer visão de paz no Oriente Médio. O premiê reeleito em Israel conseguiu, nesta quarta-feira (6), quase no fim do prazo, montar uma coalizão de governo visivelmente extremista, mas em conjuntura mais turbulenta. Por isso, diversas vozes alertam estar na hora de, em alternativa à deliberada estagnação do processo de paz, iniciar o processo de pressão, pelo povo e o Estado da Palestina.

Por Moara Crivelente*, para o Portal Vermelho

Netanyahu - Chang W. Lee/The New York Times

Reeleito em 17 de março graças a uma guinada, o partido de Netanyahu, Likud (“Consolidação”), que conseguiu 30 assentos no Parlamento (Knesset), apostou em alianças ainda mais à direita. Para evitar a derrota iminente pela lista “União Sionista”, dita de centro-esquerda, o Likud colocou Netanyahu diante de uma construção em uma colônia israelense na Palestina ocupada para seu último discurso televisionado na campanha. Já para formar sua coalizão de governo, precisando de ao menos 61 membros do Knesset (de um total de 120), às vésperas do fim do prazo, esta quinta (7), nada mais “coerente” do que a aliança com o partido ultranacionalista e de extrema-direita Habayit Hayehudi (“Lar Judeu”).

Ainda mais elucidativa foi a escolha, barganhada – ou extorquida – pelo Lar Judeu, para o Ministério da Justiça israelense: Ayelet Shaked chefiará a pasta, ela, que chocou nas redes sociais e parte da mídia internacional ao defender o genocídio do povo palestino, durante a ofensiva israelense contra a Faixa de Gaza, em julho e agosto de 2014, quando as forças de Israel mataram cerca de 2.200 palestinos.

O que Ayelet Shaked disse inclui: “Todo o povo palestino é o inimigo”, instando ao seu extermínio, “inclusive dos idosos, as mulheres, as cidades e vilas, suas propriedades e a infraestrutura”, numa defesa do genocídio, de crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Como membro do Lar Judeu, um dos expoentes na defesa da colonização da Palestina, ela também tocou neste ponto em sua campanha virtual, reproduzindo comentários de Uri Elitzur, líder do movimento colonizador que serviu de assessor de Netanyahu, escrevendo seus discursos, de acordo com o portal de análises sobre a região, Mondoweiss.

Crise e exposição: mais um governo de extremos

A ruptura do governo de Netanyahu e a convocatória de eleições antecipadas derivou de crises políticas já previstas desde o conturbado processo de formação do seu terceiro governo (o segundo consecutivo), no início de 2013. Os então ministros da Justiça Tzipi Livni – do Hatnuah (“O Movimento”), agora parte da União Sionista – e das Finanças, Yair Lapid, do Yesh Atid (“Há um Futuro”), abandonaram a coalizão devido às disputas inclusive sobre os diálogos estagnados com os palestinos.

Pelo mesmo motivo, mas na direção oposta, o líder do Lar Judeu e então ministro da Economia, Naftali Bennett, que fez manchetes com frases quase tão racistas e agressivas quanto a de sua companheira Shaked, fez ataques incessantes ao governo quando este manteve as negociações dissimuladas com os palestinos, entre julho de 2013 e abril de 2014, mediadas pelos EUA. 


Livni (esq.), o secretário de Estado norte-americano John Kerry (centro), e o chefe da equipe palestina para
as negociações Saeb Erekat (dir.), anunciam a retomada das negociações em julho de 2013,
no Departamento de Estado dos EUA. Foto: NBC News  

Na quarta-feira, Netanyahu também assinou acordos para a composição da coalizão com os partidos ultraortodoxos Yahadut HaTora HaMeuhedet (Judaísmo Unificado da Torá), e o Shas – acrônimo de Shomrei Sfarad, Guardiões Sefarditas (da Torá) – que ganharam seis e sete assentos no Parlamento, respectivamente. Os acordos foram criticados por Lapid e pelo líder da União Sionista, Isaac Herzog.

Para os dois, segundo o jornal israelense Jerusalem Post, Netanyahu “cedeu moralmente” aos “haredi”, ultraortodoxos, com o retrocesso nos esforços por incluí-los no serviço militar obrigatório e por cortar subsídios dados apenas a esta fração da população, o que para judeus ortodoxos críticos do sionismo, como a organização Naturei Karta, significaria dar um caráter ainda mais religioso ao Estado de Israel (leia entrevista aqui).

É hora de mais pressão internacional

Neste processo, é preciso expor a incontornável evidência da oposição de Netanyahu à “solução de dois Estados” no cotidiano da ocupação dos territórios palestinos e em frases pelas quais até mesmo os 

EUA tiveram de repreendê-lo. Exemplos são quando afirmou, às vésperas da eleição e em desespero pela possibilidade de derrota, que não aceitará um Estado palestino em seu governo, e convocou mais judeus israelenses a votar porque os árabes israelenses estavam indo “em multidões” para as urnas. Enquanto isso, mais de cinco milhões de pessoas nos territórios palestinos assistiam à escolha do próximo governo que ocuparia suas terras e suas vidas.

É preciso ponderar, diante do fortalecimento da extrema-direita entre a sociedade israelense, o fato de a Lista Conjunta, de esquerda, ter conquistado o terceiro lugar nas eleições, com 13 assentos. Em 2013, quando concorreram separadamente, os quatro partidos não conquistaram sequer 10 assentos – o Hadash (acrônimo da Frente Democrática pela Paz e a Liberdade) havia se sobressaído, com quatro. Além disso, a autoexclusão de Avigdor Lieberman, do Yisrael Beitenu (“Israel é Nosso Lar”, que angariou seis assentos), chanceler do último governo e que mais expôs a faceta racista e agressiva de Israel para o mundo do que cumpriu seu papel diplomático, também é notícia relevante.

Ainda assim, nas eleições buscou-se evitar a discussão sobre a questão palestina. Um cálculo de Peter Beinart para o diário israelense Haaretz dava o exemplo de um debate de 90 minutos, em fevereiro, quando oito candidatos juntos mencionaram a palavra “paz” apenas cinco vezes, e três dessas menções vieram do candidato árabe, Ayman Odeh. 

Por isso se fortalecem os apelos por atenção internacional tanto à responsabilização da liderança israelense pelos crimes de guerra cometidos diariamente contra os palestinos quanto – e também consequência da impunidade histórica – à estagnação deliberada do chamado “processo de paz”. Seja negando a realidade evidente da ocupação ou justificando para um mundo cada vez mais incômodo as suas políticas de massacre e despojo, os sucessivos governos israelenses fracassam em sequer dissimular a vontade de paz.

Falham em entender que este também é seu interesse, já que a assimetria abissal do “conflito” garante-lhes, junto com a aliança inquebrantável dos EUA, a impunidade e o status quo. Continua cabendo àqueles defensores da justiça e da libertação do povo palestino fortalecer o enfrentamento a este regime de segregação e ocupação, exigindo o seu fim.


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Cientista política e jornalista, membro do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), assessorando a presidência do Conselho Mundial da Paz.