México: parentes de desaparecidos visitam Brasil, Uruguai e Argentina

Após oito meses do desaparecimento de 43 estudantes da escola rural normal de Ayotzinapa, no estado de Guerrero, México, familiares e ativistas seguem nas buscas, sem que o governo, principal acusado pelo sumiço dos jovens, tenha apresentado qualquer pista verdadeira do caso. Para chamar a atenção da imprensa internacional, pais, mães e estudantes sobreviventes realizam nas últimas semanas uma caravana por Argentina, Uruguai e Brasil, que chegou nesta terça-feira a São Paulo.

Estudantes desaparecidos no México - Reprodução

“Se antes havia mil militares em Iguala (pequena cidade onde está localizada a escola), agora há o triplo. O Estado quer nos intimidar, mas já mostramos que os pais de família e os outros alunos não vão desistir”, afirmou durante entrevista coletiva o estudante Francisco Sanchez Nava, que sobreviveu ao ataque em que os 43 colegas desapareceram, sequestrados pela polícia municipal. “Não é possível que neste tempo todo não haja uma única pista, a partir das investigações, de onde estão nossos companheiros.”

Na noite do último 26 de setembro, três ônibus com estudantes de Ayotzinapa regressavam para a escola depois de uma atividade para arrecadar fundos, para que os alunos participassem de uma marcha, em 2 de outubro, em memória ao massacre de Tlatelolco, de 1968, quando militares e paramilitares do governo de Gustavo Díaz Ordaz (1964-1970) abriram fogo contra 8 mil estudantes, deixando pelo menos 300 mortos, poucos dias antes do início dos Jogos Olímpicos da Cidade do México.

Por volta das 20h30, efetivos da polícia municipal fecharam o caminho. Dois estudantes desceram do primeiro ônibus para tentar explicar a situação e foram baleados. A guarda municipal iniciou, então, um ataque de meia hora contra os ônibus em que estavam os estudantes, todos desarmados. Acuados, saíram correndo pelas ruas da cidade. Os estudantes do terceiro ônibus, no entanto, foram obrigados pelos policiais a descer e a subir em caminhonetes oficiais. Não se sabe para onde foram levamos e estão desaparecidos até agora.

Na madrugada do dia seguinte, após os estudantes organizarem uma coletiva de imprensa para denunciar a situação, caminhonetes chegaram ao local e iniciaram um segundo ataque. Novamente, os estudantes tentarem desesperadamente se esconder. Os dois ataques resultaram em seis mortos – um deles barbaramente torturado, encontrado sem os olhos e sem a pele da face, porém, ainda vivo – além de 20 feridos e 43 desaparecidos.

O governo do estado de Guerrero chegou a afirmar que os estudantes haviam sido assassinados por facções criminosas e que a polícia havia encontrado os ossos deles, jogados em uma vala comum. Apoiados por uma rede de instituições sociais, os familiares conseguiram levar peritos argentinos ao local, que atestaram que se tratavam de ossos de porcos e vacas.

“O governo diz que foi uma ação do crime organizado, mas sabemos que não. Os outros estudantes viram nossos filhos sendo levados pela polícia municipal. O governo sempre disse, desde o começo, que eles estão mortos, para dar o caso por encerrado. Nós não vamos desistir. Ainda faltam 43”, afirmou Hilda Legideño Vargas, mãe do estudante desaparecido Jorge Antonio Tizapa Legideño. Desde que o filho foi levado pela polícia, ela e a família venderam todos os pertences e se mudaram para Iguala, para continuar buscando o jovem.

O México tem, ao todo, 17 escolas normais rurais, sendo seis internatos para homens, seis para mulheres e cinco mistos. Lá, os jovens estudam para se formar professores, que darão aulas nas regiões mais isoladas do país, em locais muitas vezes onde não há nem sequer energia elétrica e água encanada. As instituições são conhecidas por oferecerem uma formação crítica, que incentiva a militância social e política dos futuros professores. Por isso, é um foco constante de ações repressivas do governo mexicano.

“Ele optou pela escola normal porque queria ser professor de crianças. Eu o levei até o terminal de ônibus, para que ele embarcasse para Guerrero. Foi a última vez que vi meu filho”, contou a Hilda Hernández Rivera, mãe do estudante desaparecido César Manuel González Hernández. “Pessoas próximas nos comunicaram o que tinha ocorrido. Foi desesperador. Viajamos para a escola, saímos procurando em delegacias e hospitais, mas não encontramos nada. São oito meses nos quais não temos nenhuma resposta. A única coisa que pedimos é que a polícia municipal devolva nossos filhos. Foi ela que os levou”, disse. Ela e o marido também se mudaram para Iguala e vivem da ajuda de parentes, enquanto buscam o filho.

“Não são só 43. São mais de 30 mil desaparecidos sob um governo com relações estreitas com o narcotráfico. Eles dizem que estão combatendo os criminosos, mas nunca realizaram uma ação contra eles”, disse Mario César González Contreras, marido de Hilda Hernández e pai de César. “Somos pobres e tudo o que temos são nossos filhos. É por eles que acordamos de madrugada para trabalhar, para que tenham o que comer, o que vestir e para que possam estudar e ter um futuro melhor do que o nosso. Se for preciso virar o mundo de cabeça para baixo, nós vamos, porque estamos falando de 43 vidas humanas.”

A chamada Caranava 43, com os pais dos desaparecidos e com o estudante sobrevivente, já passou pelas cidades argentinas de Buenos Aires, Córdoba e Rosário e pela capital uruguaia, Montevidéu. No Brasil, está em São Paulo, onde realizou na terça um debate com as Mães de Maio, que lutam pela punição dos policiais militares que assassinaram seus filhos. Nesta quarta-feira (3), às 20h, o popular Sarau do Binho realizará uma homenagem às vítimas e suas famílias, no Espaço Clariô, em Taboão da Serra (Rua Santa Luzia, 96). A caravana segue para o Rio de Janeiro e Porto Alegre. Toda viagem foi custeada por organizações sociais.

“Eu sou testemunha de que não foi o crime organizado, como o governo diz. Foi ele mesmo. Não estamos em uma ditadura, mas as coisas acontecem como se estivéssemos. São diversos crimes de Estado, com mortes e desaparecimentos”, diz Nava. “Quando os encontrarmos não vamos parar com nossa luta. Vamos continuar gritando por justiça. Esse é o nosso compromisso. Se os crimes de Estado estão globalizados, devemos globalizar também a resistência e a luta. Queremos nossos companheiros ao nosso lado e o mais rápido possível.”