Imprensa inflama debate da redução da maioridade, dizem especialistas

O destaque dado pelos meios de comunicação a infrações cometidas por adolescentes inflama o debate sobre a redução da maioridade penal e desperta na sociedade uma falsa necessidade de mais punição, avalia a vice-procuradora-geral da República, Ela Wiecko.

Capa da Veja sobre a redução da maioridade - Anna Carvalho

“A mídia que produz, magnifica, coloca aquela notícia e ela vai se repetindo. E ficam martelando que é uma injustiça e que os mais velhos se valem dos mais jovens”, destaca a especialista. Para a vice-procuradora-geral da República, tanto o sistema de adolescentes quanto o penitenciário, de adultos, deveria mudar. “Acho que tínhamos que trabalhar, em relação a qualquer pessoa, em uma perspectiva socioeducativa, e não em uma perspectiva punitiva. Mas acontece que é muito forte na sociedade brasileira a sede por punição, tanto para os adultos quanto para os jovens”, criticou.

A redução da maioridade penal é um dos destaques da agenda da Câmara dos Deputados. Na semana passada, o relator da Proposta de Emenda à Constituição 171, deputado Laerte Bessa, leu seu relatório em uma sessão tumultuada. A expectativa é que o relatório seja colocado em votação nesta quarta-feira (17). O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, já prometeu levar o texto para votação no plenário ainda este mês.

Para o professor de direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) Thiago Bottino, a redução da maioridade penal é uma medida populista que não irá diminuir a violência nem melhorar os índices de segurança pública.

“A população, de um modo geral, mostra-se mais favorável a essa redução sempre que é noticiado um crime envolvendo adolescentes. Essa medida é populista, no pior sentido da palavra, e não tem nenhuma relação direta com a finalidade que se busca”, critica Bottino.

A secretária nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, Angélica Goulart, critica a disseminação de ideias falsas como a de que jovens infratores não são punidos. “Sabemos que ele é responsabilizado pelas medidas aplicadas no sistema socioeducativo, e essas medidas se dividem em seis escalas, da advertência até privação de liberdade. É um mito dizer que o adolescente não é responsabilizado”.

Em abril, em depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Sistema Carcerário, o diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Renato Campos de Vitto, disse que as prisões brasileiras não têm condições de receber os adolescentes entre 16 e 18 anos. Para de Vitto, se a maioridade penal for reduzida, haverá aprofundamento do déficit de vagas, que hoje é 216,4 mil, segundo os últimos dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen).

O governo federal já oficializou sua posição contrária à proposta de emenda à Constituição (PEC) que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. A equipe de articulação política tenta unir base aliada e partidos de oposição contra a PEC. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, começou, no início de junho, um diálogo com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, sobre a questão. O governador tucano propõe, como alternativa à redução da maioridade, um aumento no tempo de internação de jovens para determinados tipos de infração. Essa é uma das possibilidades consideradas pelo governo federal.

Na opinião do promotor de justiça de Defesa da infância e da juventude do Distrito Federal, Anderson Pereira de Andrade, o adolescente deve passar mais tempo internado a depender da infração cometida. “Um adolescente que mata tem que ser responsabilizado adequadamente, não pode ser devolvido ao convívio social, em regra, antes de completar a maioridade dele. Ele demonstrou um desequilíbrio, uma disfuncionalidade tão grande, que ele não pode ser devolvido ao convívio social antes de um mínimo amadurecimento.”

Há 38 anos trabalhando no sistema socioeducativo do Distrito Federal, o agente de ressocialização Walter da Silva, 51 anos, não acredita que a redução da maioridade penal resolva os problemas de insegurança da sociedade. Para ele, o foco deveria ser a ressocialização. “[A redução da maioridade] Só tiraria o jovem do sistema de internação e passaria para o penitenciário. É preciso trabalhar na educação inicial, uma educação de qualidade, cursos profissionalizantes”.

Patrícia Moreno, 40 anos, agente de reintegração social há dois anos e meio, entende que reduzir a maioridade é “fingir” que o problema está resolvido. “Tirar daqui e levar para o sistema prisional, para mim, é fingir que as coisas estão sendo resolvidas, mas não estão. Se lá está com problema, vai só levar mais outro”, destacou.