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A poesia de Assis de Mello

Assis de Mello é o nome literário de Francisco de Assis Ganeo de Mello. O poeta já participou de diversas coletâneas de poesia e tem poemas publicados em vários jornais e revistas em papel, como Suplemento Literário de Minas Gerais e Celuzlose, ou na internet, como Cronópios, Eutomia, Gérmina, Jornal de Poesia, Mallarmargens, Zunái.

Assis de Melo - Arquivo pessoal

Além de poeta, Assis é zoólogo, docente no Instituto de Biociências da Unesp- Campus de Botucatu, desenvolve pesquisa em sistemática e evolução de insetos.

É autor do livro de poemas Na Borda da Ilha, Lumme Editor, 2010. Atreve-se também na fotografia e na pintura. Mantém o blog Coisas do Chico (http://coisasdochico.blogspot.com).

Os poemas apresentados por Letras Vermelhas nesta semana fazem parte do Livro dos Epílogos, que será publicado em agosto deste ano pela editora Patuá.

Leia na íntegra:

III.

Os olhos saíram pelo cais
procurando um barco
ao luar
tocando guitarra
e encontraram sonhando
um ninho
de búzios

– Cruzeiro Seixas –

pois
lento
surgiu o trilobito
no emaranhado do mar

Lenta
a resignação fluorescente

o desejo de viver
naquela concha de cristal
silencioso
& cultivar algas vermelhas
de tempos pretéritos

O homem
já havia corroído tudo
que poderia montar felícia:

corroeu a actínia / a anfisbena de sal
o tecido das ilusões
o hidrozoário verde

até mesmo roeu
o manto iriado
de onde enxameava o vento

Só o eremitério então o seduzia
naquela furna translúcida
através da qual se podia ver
as criaturas abissais de grandes bocas
emissoras de luz

Havia ainda na espira algo de sol & o tempo era plato


XXIII.

&
torturou-o
sem piedade
rodando a língua no frênulo

a glande a explodir

o cano
como um braço arruaceiro a girar um mangual
de doze pontas enquanto o olhar de novilha
se perdia na gana
da crueldade indomada

Seivados a boca / lábios / borboleta
ladrilhos / estátua
abajur

os sonidos da fricção
lubrificada

o estrondo
do jorro em repuxo
– glutinoso
como os braços
de uma hidra

, o homicídio consumado

Os cabelos / a face / o colo
lambuzados de elemento

& os homúnculos do dia
a caminhar
pela rua

XXIII.

&
torturou-o
sem piedade
rodando a língua no frênulo

a glande a explodir

o cano
como um braço arruaceiro a girar um mangual
de doze pontas enquanto o olhar de novilha
se perdia na gana
da crueldade indomada

Seivados a boca / lábios / borboleta
ladrilhos / estátua
abajur

os sonidos da fricção
lubrificada

o estrondo
do jorro em repuxo
– glutinoso
como os braços
de uma hidra

, o homicídio consumado

Os cabelos / a face / o colo
lambuzados de elemento

& os homúnculos do dia
a caminhar
pela rua

XXXIX.

foi muito além das palavras
, deveras

Mas apenas três fotos
se salvaram:

a do pássaro de asas caiadas amalgamado à pedra
a varar as estações do labirinto

a do miriápode lunar
encantado a seu jeito de ambulante imberbe
enrodilhado na fuligem que restou da lavoura
da mãe do agrimensor que assassinou o próprio filho

a da mais periférica das galáxias de H
no momento em que as iguanas do ar
esgarçavam suas sombras

Examinei-as numa tarde sem mar
mas estive atento Havia sim
outro olho rodeado de pápulas
que a tudo observava

XLIII.

&
então
corria / parava
vibrava a cabeça
o lagarto

língua
gula
artelhos

o olhar
concatenado
com as pedras

ao entardecer sumia

No fusco-fusco
aspergia-se o rei
sobre as folhagens do jardim suspenso

então / lentamente
o barro foi se sobrepondo
às chegadas e partidas

o barro
& sua prerrogativa
de fecundidade & morte