25 anos da chacina de Acari expõe crise da justiça no Brasil 

"A chacina de Acari revela a incapacidade do Estado brasileiro de garantir justiça para os casos de violência policial, desaparecimentos forçados e mortes por grupos de extermínio no país", afirma a Anistia Internacional, passados 25 anos desde o desaparecimento forçado de 11 jovens no Rio de Janeiro. O crime ficou mundialmente conhecido como a Chacina de Acari.  

25 anos da chacina de Acari expõe crise da justiça no Brasil

Os corpos nunca foram localizados e os responsáveis não foram levados à justiça. A impunidade tem sido uma forma de continuidade da violência contra esses jovens e suas famílias, avalia a Anistia Internacional.

Em sua luta por justiça, as mães dos jovens de Acari, se organizaram e levantaram suas vozes por justiça e contra a violência dos grupos de extermínio na região. Elas foram intimidadas e ameaçadas. Em 1992, a Anistia Internacional pediu proteção às mães após denúncia de que policiais militares as ameaçaram com "um destino pior que seu filho (a)".

Um ano depois, em 1993, Edméia da Silva Euzébio, uma das mães mais empenhadas na luta por justiça, foi morta violentamente. Ela foi assassinada quando buscava informações sobre o paradeiro do seu filho. Edméia costumava visitar locais de desovas de corpos, hospitais, Instituto Médico Legais (IMLs) e cemitérios clandestinos na busca por respostas.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro recebeu a denúncia do homicídio de Edméia em 11 de julho de 2011. Sete pessoas estão sendo acusadas, a maioria delas policiais militares, incluindo o ex-comandante do 9º Batalhão de Polícia Militar, então responsável pelo policiamento da região de Acari. Depois de 22 anos da morte de Edméia, o processo continua na fase de instrução e julgamento e ainda não foi encaminhado para o júri.

A injustificável lentidão no processo judicial mostra a falência e a seletividade do sistema de justiça criminal no Brasil, que não foi capaz de dar uma resposta para uma das chacinas mais emblemáticas ocorridas no país.

Depois de 22 anos, a responsabilização fica cada vez mais difícil, pois várias testemunhas já morreram ou não podem mais ser localizadas. A falta de resolução ainda cria um clima de insegurança à família e testemunhas arroladas no processo que até hoje vivem com medo de sofrer retaliações.

Violência policial

"Ao todo, nove governadores passaram pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro neste período, mas nenhum foi capaz de dar um fim à impunidade e à injustiça que cercam o caso. Possivelmente, o mesmo grupo de extermínio esteve envolvido em outras chacinas, mas a resposta inaceitável do Estado durante todos esses anos, foi a protelação da justiça, a impunidade frente à corrupção de seus agentes e o descaso com as famílias", destaca Atila Roque, diretor executivo da Anistia Internacional Brasil.

"A violência policial continua sendo uma realidade e não podemos nos calar diante da perpetuação de territórios de exceção nas favelas e periferias. Todos os cidadãos merecem ter seus direitos respeitados", completa.

Até hoje, a maioria das famílias não recebeu a certidão de ausência ou morte presumida de seus filhos e filhas. Não há uma certidão de óbito oficial que comprove a morte dos jovens. A falta desse reconhecimento, impediu as famílias de receberem uma pensão por parte do Estado. A única reparação oferecida às famílias foi uma quantia irrisória de R$10 mil, mas nem todos receberam.

"É inadmissível que um caso como a Chacina de Acari fique impune, que as famílias não tenham tido reparação adequada e que o caso de Edméia não tenha sido julgado, mesmo depois de 22 anos de seu assassinato. A impunidade dos casos de mortes em que há envolvimento de policiais e outros agentes do estado alimenta o ciclo de violência no Rio de Janeiro. A impunidade dos crimes do passado alimenta a violência do presente", conclui o diretor executivo da Anistia Internacional Brasil

Chacina de Acari

Em 26 de julho de 1990, 11 jovens, sendo sete menores de idade – em sua maioria residentes da favela de Acari e proximidades – foram retirados de um sítio localizado em Suruí, bairro do município de Magé (estado do Rio de Janeiro), por um grupo de homens que se identificaram como policiais, e levadas para destino desconhecido.

A Anistia Internacional relatou, em 1994, que as pessoas que levaram os jovens haviam sido identificadas pelo Setor de Inteligência da Polícia Militar como policiais do 9º Batalhão da Polícia Militar, em Rocha Miranda, e como detetives do Departamento de Roubo de Carga da 39ª Delegacia de Polícia da Pavuna, ambos na cidade do Rio de Janeiro. A investigação indicava que os policiais militares envolvidos vinham extorquindo algumas das vítimas antes do seu desaparecimento forçado.

Até hoje seus paradeiros não foram descobertos e os responsáveis não foram levados à Justiça. O inquérito policial ficou em aberto por 20 anos, tendo sido arquivado em 2010.

Os 11 de Acari

Rosana Souza Santos, 17 anos – filha de Marilene Lima e Souza;
Cristiane Souza Leite, 17 anos – filha de Vera Lúcia Flores;
Luiz Henrique da Silva Euzébio, 16 anos – filho de Edméia da Silva Euzébio;
Hudson de Oliveira Silva, 16 anos – filho de Ana Maria da Silva;
Edson Souza Costa, 16 anos – filho de Joana Euzilar dos Santos;
Antônio Carlos da Silva, 17 anos – filho de Laudicena Oliveira do Nascimento;
Viviane Rocha da Silva, 13 anos – filha de Márcia da Silva;
Wallace Oliveira do Nascimento, 17 anos – filho de Maria das Graças do Nascimento;
Hédio Oliveira do Nascimento, 30 anos – filho de Denise Vasconcelos;
Moisés Santos Cruz, 26 anos – filho de Ednéia Santos Cruz;
Luiz Carlos Vasconcelos de Deus, 32 anos – filho de Teresa Souza Costa.