Artigo: Lei Maria da Penha, um bom remédio para o machismo!

Por Olívia Santana*

Muita gente já cantou, sambou, ouviu: “Se essa mulher fosse minha eu tirava do samba já, já/ dava uma surra nela que ela gritava chega…” E “Te perdoo/ Por ergueres a mão/ Por bateres em mim…”. São expressões da cultura machista, que nos impõe a necessidade da reflexão: por que o amor tem que rimar com dor? Aliás, rimazinha ordinária.

A Lei Maria da Penha, de nº 11.340/06, completou 09 anos com o desafio de punir os agressores de mulheres e, sobretudo, contribuir para repensar e redefinir os códigos morais arcaicos, machistas de forma a desnaturalizar a violência de gênero. Mais mulheres hoje se sentem encorajadas a denunciar violências. A Lei colabora com o resgate da dignidade, principalmente da mulher, mas também do homem, pois essa história de que “mulher de malandro gosta de apanhar”, desqualifica a ambos.

Tal legislação não precisaria existir, se vivêssemos em uma sociedade onde as mulheres fossem tratadas com igualdade material de direitos frente aos seus parceiros, homens. As relações sociais são ainda fortemente mediadas por práticas machistas, alimentadas por referências patriarcais persistentes, que mantêm o desequilíbrio estrutural de gênero, impondo às mulheres posição de desvantagem.

A união entre um homem e uma mulher, mitificada no jargão “E foram felizes para sempre”, esconde histórias de calvário para milhares delas. O príncipe volta e meia vira sapo, e a felicidade idealizada se converte num inferno em vida. É a casa o lugar mais inseguro para muitas mulheres. Nada menos que 48% das vítimas apontam o lar como o lócus da agressão (PNAD-IBGE 2009).

E a juventude não tem sido necessariamente vanguarda de novos valores. Quer sejam os adolescentes, de baixa escolaridade e renda, que comandados por um homem adulto, estupraram três adolescentes e alguns jovens estudantes de medicina da USP, muito bem escolarizados, que transformaram o estupro de suas colegas em trotes de boas vindas, o fato é que há em todos eles uma base estrutural machista e misógina. Uma pesquisa do Instituto AVON em parceria com o Data Popular (2014) revela que em cada 05 mulheres jovens pesquisadas, 3 já sofreram violência no relacionamento. Em outra pesquisa desses mesmos institutos, ao mataram uma delas, no Piauí; ou o célebre caso dos baianos da banda New Hits; ou analisar a percepção dos homens sobre a violência, tem-se 56% deles respondendo que já cometeram algum tipo de agressão contra suas parceiras.

O Conselho Nacional do Ministério Público identifica a violência doméstica contra a mulher dentre os três principais assuntos processuais, em matéria criminal, em 04 regiões do país. A exceção é o Sudeste. A Bahia aparece em 7º lugar, com 4.615 denúncias, que equivalem a uma taxa de 64,63 para cada grupo de 100 mil mulheres, no Balanço do Disque 180 (2014), ferramenta que vem unificando as denúncias das brasileiras aqui e em mais 13 países onde o serviço foi implantado.

No nosso estado, a luta é para fazer valer o Pacto de Enfrentamento à Violência contra a Mulher; garantir a ampliação e o fortalecimento da rede de proteção, que hoje é composta de 20 Centros de Atendimento à Mulher (CEAMs) e mais outros 04 em processo de implantação até dezembro; 15 delegacias especializadas, 01 Casa Abrigo e 05 Varas de Violência Doméstica e Familiar, três delas implantadas este ano, pelo Tribunal de Justiça da Bahia, uma em Salvador, uma em Conquista e a terceira em Juazeiro. A mais nova experiência é a Ronda Maria da Penha, que implantamos em Salvador, no primeiro semestre deste ano, e, recentemente, foi implantada em Serrinha. Estamos trabalhando pela implantação da Casa da Mulher Brasileira, um macro equipamento que reunirá todas as modalidades de serviços de atendimento e proteção às mulheres, com capacidade de atendimento para 200 vítimas de violência por dia.

Há aí um custo tangível, de muitos milhões, que o Estado brasileiro e baiano necessita desembolsar para fazer frente à violência de gênero. Também há um custo intangível, representado pelo sofrimento de muitas mulheres. Violência cometida por um ser amado, ou considerado um dia amante, fere corpo e alma, desorganiza a mente, desencanta e ameaça projetos civilizatórios. Crianças e jovens que convivem com violências contra as mulheres da casa têm alta probabilidade de reproduzir violências na casa e na rua, serão predadores ou cúmplices. Se o Estado vem se esforçando para investir em serviços, amparar as vítimas imediatas, por outro lado acelerar julgamentos e punições dos culpados é dever do Judiciário, assim como é dever da escola formar para a prevenção, garantir uma educação com respeito à diversidade, contra sexíssimos.

Por isso é tão importante a educação para a igualdade de gênero. Tal desafio poderá produzir uma sociedade mais humanizada, menos discriminatória e mais feliz. Enquanto tal ideário não se realiza, precisamos fazer valer a Lei Maria da Penha com eficiência e efetividade!

*secretária de Políticas para as Mulheres do Estado da Bahia (SPM)