Ossadas de Perus ficam sob a guarda do Ministério Público Federal

Uma sala-cofre no subsolo do Ministério Público Federal em São Paulo, na região central da capital paulista, é o novo espaço para a guarda de de 614 caixas com ossadas da vala clandestina do Cemitério Dom Bosco, em Perus, região noroeste de São Paulo.

Ossadas do Cemitério de Perus começam a ser identificadas

O transporte foi realizado, sigilosamente, no último sábado (15). O material ficará à espera do fim da reforma da casa onde está instalado o laboratório que analisa o material – há quase um ano, outras 433 caixas foram levadas para lá. Os responsáveis pelo Grupo de Trabalho Perus (GP) esperam liberar ainda este ano amostras para análise de DNA.

É mais uma etapa na tentativa de identificação das ossadas, retiradas em 1990 da vala clandestina, levadas inicialmente à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e, desde 2001, ao Cemitério do Araçá. No ano passado, como resultado da pressão dos familiares de mortos e desaparecidos, um convênio entre a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania da prefeitura de São Paulo e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) permitiu o início de um processo de análise do material. Das 433 caixas levadas em setembro para o laboratório, 385 já foram analisadas.

Segundo o coordenador científico do GTP, o médico-legista Samuel Ferreira, foi possível determinar até agora que de 80% a 85% são homens, e de 3% a 4%, crianças ou adolescentes. Em algumas ossadas, os peritos encontraram "traumas compatíveis com ação contundente", o que pode significar espancamento ou atropelamento. Há ainda seis casos com sinais de uso de projétil de arma de fogo – mas em vítimas de idade presumivelmente não compatível com as dos desaparecidos políticos. A vala clandestina recebeu também vítimas de esquadrões da morte e, possivelmente, jovens que morreram em consequência de meningite.

Transporte

A mudança das 614 caixas que ainda estavam no Araçá foi realizado, sob sigilo, no último sábado (15), com participação da Polícia Federal, que também integra a GTP, e do Serviço Funerário Municipal – e com escolta da Guarda Civil Metropolitana. Segundo a Secretaria municipal de Direitos Humanos e Cidadania, foi uma resposta "à preocupação expressa por familiares de mortos e desaparecidos políticos e entendendo a urgência de garantir armazenamento adequado às ossadas" da vala clandestina. A sala-cofre foi inspecionada pelo grupo de trabalho e visitada por familiares. "Levamos as famílias antes que a movimentação fosse feita", disse a coordenadora de Direitos à Memória e à Verdade da secretaria paulistana, Carla Borges. Na manhã de hoje (19), o ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, Pepe Vargas, visitou o local.

O acordo para que o MPF fique com a custódia temporária foi firmado no último dia 13, quando os 46 nichos terminavam de ser abertos no Araçá. As 633 caixas podem ficar até um ano no cofre, na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, mas a procuradora Eugênia Gonzaga, presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, lembrou que a previsão da Unifesp é de que a reforma da casa, na zona sul de São Paulo, seja concluída em quatro meses, permitindo o transporte das ossadas. Parte do material poderá ser levado gradualmente. "Agora, todas estão devidamente guardadas."

A transferência, ainda que para um local intermediário, tem dois objetivos: preservar o material, já deteriorado pela manutenção em locais inadequados ao longo do tempo, e garantir mais segurança. A coordenadora lembrou que o Ossário-Geral do Araçá chegou a ser atacado em 2013. "Essa medida tem apoio institucional do Ministério Público Federal", disse o procurador-chefe da 3ª Região, Pedro Barbosa. "É conhecida a posição do procurador-geral da República sobre a revisão da Lei da Anistia", observou.

"É a primeira vez que há um trabalho mais sistemático, buscando alinhas as melhores práticas internacionais", disse Pepe Vargas. Com restrições orçamentárias – segundo ele, houve uma "descontinuidade de natureza burocrática" –, o ministro garantiu que os recursos estão assegurados para continuação do trabalho: R$ 1,8 milhão serão destinados ao trabalho dos peritos e R$ 2 milhões, para contratação de um laboratório no exterior. Duas possibilidades são analisadas: Estados Unidos ou região dos Balcãs, na Europa.

Samuel Ferreira espera que o primeiro lote de amostras para análise de DNA sejam enviadas ainda este ano, e a maior parte em 2016. O passo seguinte será a comparação com um banco de dados formado com amostras de familiares.