Occupy Wall Street e a carência de organização social nos EUA

Depois de um longo período sem uma “revolta” do movimento social nos Estados Unidos, com exceção das permanentes rebeliões de combate ao racismo, o Occupy Wall Street, iniciado em meados de setembro de 2011, em Manhattan, no centro financeiro de Nova York, chamou a atenção do mundo ao denunciar a impunidade dos responsáveis pela crise financeira surgida no país que se espalhou por todo o mundo.

Por Eliz Brandão*

Logo as manifestações ganharam notoriedade na imprensa nacional e internacional, e estimularam posteriormente outros movimentos “Occupy” por todo o mundo. Na opinião de especialistas, o movimento foi vitorioso porque abordou as mazelas do capitalismo fracassado, mas seu curto período de duração expôs os limites do ativismo dos estadunidenses.

Naquele momento de efervescência política e social dos estadunidenses, inclusive com adesão de renomados teóricos do capital e ativistas sociais, como Slavoj Zizek – renomado filósofo marxista e cientista social esloveno – bem como sindicatos de Nova York, organizações comunitárias e populares, muitos previam que o movimento viria para ficar. No entanto, a falta de uma pauta unificada e sem a mínima estrutura organizacional, o movimento foi perdendo fôlego e o modo de vida privada da classe média nos Estados Unidos voltava ao normal.
No Brasil, as manifestações de junho de 2013, foram comparadas com o “Occupy”, ambos foram iniciados a partir de um descontentamento da classe média, foram estimuladas por demandas específicas, tiveram forte repressão policial e ainda tomaram força muito rapidamente. As duas surgiram repentinamente e da mesma forma acabaram.

Neste Especial sobre os Estados Unidos que o Portal Vermelho preparou, relembramos aos leitores, um dos poucos, mas o mais recente episódio de “revolta” de parte da sociedade estadunidense. O artigo abaixo foi publicado no periódico mexicano La Jornada, cujo título “Nasce um novo movimento social nos Estados Unidos” e reproduzido na Carta Maior, onde apresenta, no ápice do movimento, em outubro de 2011, um aspecto pitoresco da sociedade nova-iorquina.

Segue abaixo:

Occupy Wall Street

Somos os 99%, gritaram juntos milhares de estudantes, sindicalistas, veteranos, imigrantes, professores e ativistas de todo tipo na primeira ação massiva contra o cobiça empresarial do 1% mais rico, a corrupção do sistema político e a desigualdade econômica que cresceu desde que o setor financeiro provocou a pior crise econômica desde a Grande Depressão.

A presença de um amplo leque de sindicatos transformou o perfil do movimento iniciado por algumas centenas de jovens, em sua maioria brancos, de universidades privadas, no dia 17 de setembro. Mudou não só em números, mas também em diversidade, gerando o que muitos líderes sindicais e comunitários estão chamando de um novo movimento social por justiça econômica. Algumas fontes policiais estimaram em mais de 10 mil os participantes da marcha e os organizadores calcularam o dobro. Na noite de quarta, ao terminar a manifestação, foram reportadas algumas detenções quando um grupo de manifestantes tentou ingressar em Wall Street.

Bob Masters, diretor político do distrito noroeste do sindicato de telefonistas CWA, declarou: Ocupa Wall Street lançou um novo movimento e juntos ganharemos. Enquanto milhares continuavam chegando à Praça Foley, no meio dos tribunais de Nova York, onde ocorreu a marcha, Masters fez um chamado pela solidariedade ao movimento. “Todos juntos estamos dizendo: já basta!”.

Todo o dia, toda a semana, Ocupa Wall Street, gritavam enquanto caminhavam pela Broadway. Entre eles estavam as filiadas ao Sindicato Nacional de Enfermeiras (com cartazes que diziam ‘Vamos curar os Estados Unidos’), trabalhadores do metrô, motoristas de ônibus do TWU e trabalhadores de lojas de departamentos do sindicato UFCW. Com a brisa, tremulavam bandeiras do sindicato de professores (UFT), dos automotrizes (UAW), do setor público (AFSCME), do setor de serviços (SEIU), de professores e pesquisadores de universidades da cidade de Nova York, como Columbia.

Também participaram da manifestação uma ampla gama de organizações comunitárias, com latinos, hindus, chineses, porto-riquenhos, dominicanos, mexicanos e árabes, entre outros, que se somaram ao ato em solidariedade. “Filipino-estadunidenses” apoiam Ocupa Wall Street, lia-se numa faixa, e outra proclamava o mesmo de parte de indígenas norteamericanos. Estudantes abandonaram as aulas em vários cursos da Universidade Estatal de Nova York para somarem-se aos protestos.

Uma multiplicidade de expressões mostrava o mosaico de cartazes feitos a mão. “Comam os ricos”, “Se o governo não pode deter Wall Street, nós o faremos”, “Quando os ricos roubam dos pobres isso se chama negócio; quando os pobres se defendem se chama violência”, “Protejam as escolas, não aos milionários”.

Circula um par de camisetas de estadunidenses com a imagem de Zapata e um jovem que esteve na Praça Liberdade desde o dia 17 de setembro mostra orgulhoso um emblema do EZLN ao saber que o La Jornada estava cobrindo a marcha.

O mesmo que ocorreu no Egito está acontecendo aqui; já não podemos aguentar mais, afirmou Hank, integrante do Sindicato de Trabalhadores do Transporte Público (TWU), quando marchava. Um turista espanhol tirava fotos da marcha e comentava com seus companheiros: olha que bonita, igual a nós.

Ao passarem por ônibus de turismo, os manifestantes gritavam: deixem de tomar fotos e unam-se a nós. Outros alertavam ao exército de policiais: vocês também são parte do 99%, venham com nós. Trabalhadores da construção que trabalham em um edifício próximo liam exemplares do jornal Wall Street Journal Ocupado.

Tudo começou quando uma marcha desde a praça ocupada a um par de quadras de Wall Street se dirigiu à Praça Foley, a umas dez quadras de distância. Ao chegar ali, se escutou um ensurdecedor grito de júbilo no momento em que se encontravam com um ato organizado pelos principais sindicatos de Nova York com organizações comunitárias. Depois dos inevitáveis discursos, ocorreu a marcha de regresso à rebatizada Praça Liberdade, movimento que levou umas duas horas pelo seu tamanho. Assim se celebrou a solidariedade entre Ocupa Wall Street, sindicatos e organizações comunitárias.

AFL-CIO: o movimento capturou a paixão de milhões nos EUA

Desde Washington, o presidente da central operária nacional AFL-CIO, Richard Trumka, fez uma declaração pública: o movimento conhecido como Ocupa Wall Street capturou a paixão de milhões de estadunidenses, que perderam a esperança nos políticos desta nação e, agora, com esses atos, falam diretamente a eles. Apoiamos os manifestantes em sua determinação de responsabilizar a Wall Street por suas ações e demandar a criação de empregos. Estamos orgulhosos que hoje em Wall Street, motoristas, pintores, enfermeiras e trabalhadores de serviços básicos unam-se a estudantes, proprietários de casas, desempregados e aos que não têm emprego fixo para fazer um chamado por mudanças fundamentais que precisam ser feitas.

Um pouco antes, os integrantes do comitê executivo – presidentes de sindicatos nacionais – tinham aprovado de maneira unânime dar apoio a Ocupa Wall Street.

Também ocorreram ações semelhantes em outras partes do país. Em Boston, centenas de estudantes e enfermeiras sindicalizadas fizeram um ato de protesto contra os altos custos da educação, as reduções orçamentárias na saúde e o que definem como controle do governo pelas corporações. Em Seattle, foram reportadas algumas prisões quando “ocupantes” se recusaram a acatar ordens de abandonar um espaço público.

Em Los Angeles, relata a agência Associated Press, houve um tratamento diferente do governo, depois que conselheiros municipais aprovaram uma resolução de apoio ao Ocupa Los Angeles, e o gabinete do prefeito Antonio Villaraigosa distribuiu 100 capas de plástico para os manifestantes se protegerem da chuva. Também ocorreram ações em Boise, Idaho e outras cidades.

Hoje esse movimento deu um giro que não só ampliou suas bases, mas que, caso essa nascente aliança entre estudantes e trabalhadores se consolide, pode transformar o panorama político dos Estados Unidos.