Curuguaty, a manobra perfeita: depôs o presidente e prendeu os pobres

O Paraguai acompanha, uma vez mais, a tentativa da Justiça de condenar os campesinos acusados pelo Massacre de Curuguaty com provas insuficientes. Na audiência realizada nesta quarta-feira (2), o novo defensor da causa, Albino Ramírez solicitou um novo adiamento do processo, ele alegou pouto tempo para ter conhecido do caso. Isso porque, há um mês os presos políticos pediram a troca de seus advogados, e desde então o julgamento vem sendo postergado.

Por Mariana Serafini

Julgamento de Curuguaty - Ea

O massacre de Curuguaty foi o resultado de uma ação policial que tinha por objetivo desocupar o assentamento de agricultores sem terra Marina Kue, localizado no município de Curuguaty, na região Norte do Paraguai. O conflito terminou em 11 camponeses e 6 policiais mortos, na ocasião 16 trabalhadores rurais foram presos, entre eles, dois menores de idade. Atualmente 11 seguem detidos em regime aberto e o líder, Rubén Villalba, continua no presídio de Tacumbú, na região metropolitana da capital Assunção. A violência policial foi totalmente desproporcional, o assentamento era composto por aproximadamente 50 famílias que foram surpreendidas por um aparato de mais de 300 oficiais apoiados por helicópteros e atiradores de elite.

Nenhum policial nunca foi investigado pela morte dos 11 camponeses. E os 12 que estão presos não têm contra eles absolutamente nenhuma prova de que estejam envolvidos na matança. Um estudo feito de maneira extrajudicial pela Coordenadoria de Direitos Humanos do Paraguai (Codehupy) mostrou que durante o confronto as armas dos camponeses – todas instrumentos obsoletos de caça – não foram disparadas e, em contrapartida, os seis policiais mortos foram atingidos por projéteis de alto calibre, capazes de perfurar o colete de proteção, ou com tiros certeiros na cabeça. Em momento algum a Justiça do país considerou este relatório.

O massacre aconteceu no dia 15 de junho de 2012, uma semana depois, no dia 21, o presidente eleito democraticamente, Fernando Lugo, foi deposto. Uma das alegações foi de que “promoveu a revolta no campo”. Isso porque, pela primeira vez em décadas, um chefe de Estado ousou debater a reforma agrária, mais que necessária, não só no Paraguai. O país guarani tem atualmente uma das concentrações de terra mais desiguais do mundo, apenas 2,6% são proprietários de 85,5% de todo o território cultivável, enquanto 91,4% do camponeses contam com apenas 6% de área agrícola.


Rubén Vilalba, um dos líderes de Curuguaty, permanece preso em regime fechado no presídio de Tacumbú 

O terreno de Marina Kue, que em Guarani – segundo idioma oficial do Paraguai – significa “pertenceu à Marinha” é considerado uma chamada “tierra malhabida”, ou seja, áreas públicas que podem ser destinadas à reforma agrária. Isso porque, como o próprio nome diz, o terreno pertencia à Marinha paraguaia. Porém, a propriedade foi reclamada pela família Riquelme, integrante da cúpula que domina política e economicamente o país. Prontamente o pedido foi atendido pela polícia que invadiu o assentamento sem um mandado judicial.

Desde então, uma das questões discutidas em torno do caso Curuguaty é o pertencimento da terra. Os presos políticos vão a julgamento sem que este impasse tenha sido resolvido porque o Estado não tratou com a celeridade que deveria o assunto.

Depois de três anos presos em condições subumanas, os acusados pelo massacre serão finalmente julgados e provavelmente condenados por um crime que nem se quisessem teriam condições de cometer. O advogado paraguaio que, apesar de não ser o responsável pelo caso, acompanha de perto a situação, Hugo Valiente, afirmou que o julgamento não passa de um “protocolo a ser cumprido” para depois apelar à Justiça internacional.

A resistência

A desocupação violenta de Marina Kue não foi a primeira, e não será a última no Paraguai. Com o governo do presidente Horácio Cartes – do Partido Colorado que permaneceu 62 anos consecutivos no poder até as eleições de 2008 – a repressão aos movimentos sociais do campo e da cidade cresceu consideravelmente, na mesma medida que a resistência também ganhou mais adesão. No entanto, este foi o único caso que resultou em um golpe parlamentar, nenhum outro foi tão bem planejado.


Ativistas dos Direitos Humanos do Paraguai protestam em frente ao palácio de governo junto a camponeses de Curuguaty 

O Paraguai é estratégico geograficamente na América Latina, não são poucos os interesses econômicos que Lugo ameaçou ao se impor, ainda que de forma tímida, contra a dinastia perpetuada há séculos. Constituído de uma democracia frágil, o país se torna um empecilho para o processo colocado em curso pelos governos progressistas de integração latino-americana. Não à toa, a Venezuela só ingressou no Mercosul quando o Paraguai estava suspenso do bloco.

Cartes não titubeou em estreitar novamente as relações com os Estados Unidos e implementar medidas antipopulares que em nada contribuem para melhorar a vida do povo paraguaio. Abriu as portas para as multinacionais se instalarem com pouca ou nenhuma regulamentação e entregou os bens naturais e parte das responsabilidades do Estado ao capital estrangeiro por meio de sua lei de Aliança Público-Privada. Não bastasse ir na contramão do continente, ainda implementou uma Lei de Militarização, que está em vigor no Norte do país, onde a repressão aos movimentos camponeses é feita pelo Exército.

Observadores internacionais

Dado este cenário desproporcional e desfavorável aos camponeses acusados, diversos movimentos sociais paraguaios e dos países vizinhos se mobilizam para cobrar um julgamento justo e reparação para as famílias dos mortos e dos presos. A campanha intitulada Observadores de Curuguaty conta com a adesão de lideranças sociais que acompanham de forma presencial, ou não, o julgamento em Assunção. Já passam de 500 pessoas inscritas.