RS: O dilema de reencontrar o caminho

 O Rio Grande do Sul sempre se caracterizou, desde a colônia, por estar voltado para o mercado interno, ou seja, para o Brasil, por exemplo, abastecendo, no século 18, as Minas Gerais de charque. Foi essa marca, por paradoxal que pareça, que levou à Revolução Farroupilha, pois esta exigia que o charque gaúcho não fosse preterido pelo argentino no mercado do Império do Brasil.

Por Daniel Sebastiani**

Esta vocação nacional, voltada para o mercado interno, é que fez do RS uma particularidade: os outros centros econômicos estavam voltados para o exterior com seus respectivos “ciclos econômicos” como, por exemplo, Pernambuco (açúcar), Minas Gerais (ouro), Amazonas (borracha) e São Paulo(café).

Não por acaso o RS foi o único a ter sucessivos governos positivistas, (Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros), de caráter desenvolvimentista, em plena República Velha, agrarista e coronelística.

Não por acaso, também, no RS iniciou e se fortaleceu o trabalhismo nacionalista e seu conjunto de lideranças gaúchas como Getúlio Vargas, Jango e Brizola. Este foi o estado da legalidade em 1961 e, também, o da maior qualidade de vida, em relação ao resto do Brasil.

Os anos 1980 e 1990 alteraram profundamente esta matriz: com a soja e o agronegócio, mas também com os calçados, a mineração, a celulose e o setor metal-mecânico (este último parcialmente), o RS se volta de forma significativa para o mercado externo.

Esta transformação gera seus frutos políticos e sociais no solo gaúcho, inserido na consolidação, nos anos 90, do neoliberalismo no mundo e no Brasil, levando a uma ofensiva, de parte das classes dirigentes gaúchas, contra o estado no RS, que guardava um perfil mais intenso de realizações sociais, fruto do passado positivista e trabalhista.

O Governo Britto foi o maior exemplo dessa ofensiva por menos estado, achatando salários, demitindo e privatizando. Mas, desde Simom, os governos do RS atacam a máquina pública, destroem os aspectos sociais e indutores de um projeto de desenvolvimento, no altar egoísta da elite exportadora, levando o RS a cair, comparativamente aos outros estados, tanto do ponto de vista social quanto econômico.

Afora os interregnos dos governos Alceu Collares, Olívio Dutra e Tarso Genro, esta tem sido a realidade.

O governo Sartori aplica essa política antiga com uma radicalidade nova e mais perigosa.
A receita tem como padrinhos forças poderosas, como a Fiergs e a Agenda 2020, (embora esta última não favoreça vários setores do empresariado gaúcho pelo seu caráter recessivo), e visa descarregar, sobre os serviços públicos e os seus servidores, os custos financeiros da reestruturação do RS no sentido de um estado mínimo, não indutor da economia e sem projeto, (afinal para quem atende o mercado lá fora o essencial não está aqui dentro), que apenas atenda aos apetites por empresas públicas e menos impostos, no longo prazo, desta burguesia exportadora e/ou ligada a grandes capitais de fora, (neste último caso, por exemplo, os capitais da comunicação e os tentáculos desse conglomerado na área de infra-estrutura).
Para isto, evita-se abordar temas espinhosos, que tratam do favorecimento aos mais aquinhoados capitais do RS como, por exemplo, a sonegação e as isenções fiscais e, de lambuja, se forja o discurso da crise financeira para abrir espaço de convencimento político em defesa das privatizações, tão desejadas por sedentos empresários em busca de mais lucros com a compra dos bens do povo gaúcho como o Banrisul, a CEEE, a Corsan e outras estatais.

Somente as isenções fiscais somam 13 bilhões* anuais, este dinheiro poderia estar nos cofres do estado, mas hoje serve às grandes empresas.

A sonegação, calculada em 7 bilhões*, que ajudaria a equilibrar o Caixa Único do Governo; hoje fica com os grandes sonegadores. Com o aumento do ICMS, recentemente aprovado, se arrecada menos, mas todo o povo paga.

Esta política tem um objetivo inicial bem definido: a máquina pública e os seus servidores.

Estes souberam, em 2015, articulados pela nova direção do CEPERS e a FESSERGS, garantir dois elementos essenciais: a mobilização unitária das categorias do funcionalismo e o apoio do povo.

Para a primeira, superaram divergências e acentuaram convergências, em um processo gradual e responsável de paralisações e acúmulo de forças, fugindo da armadilha da greve geral, que permitiu garantir a presença na luta, não apenas da vanguarda, mas da maioria dos funcionários. Sem isto teria sido impossível a passeata dos 50 mil em 18 de agosto.

Para a segunda, denunciaram que o ataque aos servidores é o ataque aos serviços públicos de educação, saúde, segurança e outros, imprescindíveis para a população no seu dia a dia.

A postura radical e destrutiva do governo Sartori, expressa no parcelamento de salários, inédito na história do RS, e no desmonte da saúde, (com o não repasse aos hospitais), bem como da segurança, (com a não contratação dos concursados e retirada de horas-extras essenciais ao policiamento de rua), contribuíram para o repúdio geral.
Nada disto terá consequência, e o repúdio não se transformará em desgaste e oposição, se as forças políticas de vanguarda e o movimento não forem capazes de convencer, com uma postura responsável e propositiva, as categorias de servidores e a população em geral, de que há outro modelo.

O RS deve garantir seu mercado interno com a manutenção do poder de compra dos trabalhadores da esfera pública, deve renegociar a dívida com a União, deve incentivar a vocação exportadora através de ações que criem sinergia com o Porto de Rio Grande, que os investimentos do governo federal garantiram, (pois não há contradição na exportação quando integrada a um projeto regional de desenvolvimento), deve redirecionar os recursos das isenções para os arranjos produtivos regionais, não a partir de uma visão provinciana, mas dialogando com um projeto de Brasil e, nesse sentido, pensar a criação de pólos tecnológicos para os quais o RS possui massa crítica em recursos humanos e estrutura de pesquisa, conforme mostram os pólos estatais ou privados criados junto às universidades, entre outras medidas.

Enfim, é com um projeto de desenvolvimento, inevitavelmente articulado com uma política nacional neste sentido, sem a qual o sucesso é inviável, e enfrentado o escoamento do dinheiro público para meia dúzia de grandes empresas que se combate a crise e se reestrutura o estado e não criando o caos, diminuindo o poder de compra dos gaúchos, desestruturando os instrumentos do estado indutores de desenvolvimento e os serviços essenciais para a maioria da população.

*Dados: Afocefe-Sindicato.

**Diretor da Associação de Docentes da Fundação Liberato
Membro do Diretório Estadual do PCdoB/RS