Juristas reforçam que pedido de impeachment não tem base legal

Para se dar início a um processo de impeachment como rege a Constituição brasileira, é necessário que haja um crime de responsabilidade cometido pelo presidente da República. Sem essa condição, ele atingiria a Constituição e a democracia brasileiras, apontam os pareceres dos juristas André Ramos Tavares e Gilberto Bercovici, em resposta a questionamentos do coordenador jurídico da campanha presidencial de Dilma Rousseff e Michel Temer, o advogado Flávio Caetano.

André Tavares e Bercovici

“A utilização de um mecanismo, como o impeachment, pelo Congresso Nacional (dentro do papel recebido de cada uma das Casas) significa, sempre, inabilitar milhões de votos e conexões construídas no tecido social pelos partidos políticos e pelo cidadão. Sua excepcionalidade, em termos democráticos, não pode ser ignorada; pelo contrário, deve ser permanentemente relembrada, de maneira a servir como advertência quanto ao seu uso inadequado”, escreve Tavares, que é referência acadêmica para o Direito Constitucional no Brasil e internacionalmente.

No mesmo sentido, avalia Bercovici, “a função do impeachment não é punir indivíduos, mas proteger o país de danos ou ameaças por parte um governante que abusa do seu poder ou subverte a Constituição”. “O processo de impeachment deve ser sempre o último recurso, um poder a ser exercido com extrema cautela em casos extremos de comprovada violação da Constituição”, destaca o advogado, professor titular de Direito Econômico e Economia Política da USP e professor do Mackenzie.

Antes de Tavares e Bercovici, já haviam opinaram no mesmo sentido, por meio de pareceres, os renomados juristas Dalmo de Abreu Dallari, Celso Antonio Bandeira de Mello e Fábio Konder Comparato.

Tavares destaca que a possibilidade de impeachment está prevista em nossa Constituição para casos excepcionais de agressões severas à ordem constitucional. “Não sendo um mecanismo corriqueiro da democracia, o impeachment emerge quando temos um atentado à Constituição, como assevera sua própria hipótese de incidência (art. 85, caput, da CB), não uma ou outra inconstitucionalidade, praticada pelo presidente da República. Aliás, a diferenciação é bem conhecida da melhor Doutrina Constitucional”, sustenta.

Bercovici, por sua vez, esclarece que somente a ocorrência de crime de responsabilidade por parte do presidente pode ensejar um processo de impeachment. Assim, conforme o artigo 85 da Constituição e a Lei 1.079/1950, para configurar crime de responsabilidade não bastam atos que “comportam omissão ou a culpa”, mas é preciso "a atuação deliberada (e dolosa) do chefe do Poder Executivo em contraposição direta à Constituição da República”.

“O presidente da República não pode ser réu de um processo de impeachment motivado por atos estranhos à função presidencial ou ocorridos fora do seu mandato”, lembra o autor. “Ao ser reeleito, o presidente da República inicia um novo mandato de quatro anos. O fato de poder exercer a função por oito anos não transforma este período em um mandato único.”

Como já haviam afirmado os juristas anteriormente citados, Tavarez reforça que “a reprovação das contas presidenciais pelo parecer do Tribunal de Contas da União não pode ser utilizada como fundamento de eventual denúncia por crime de responsabilidade”.

E diz que “fazer uso automático e irrestrito de um parecer de contas (prévio, na dicção constitucional inequívoco) para fins de sustentar o impeachment equivale a contornar, de uma só vez, tanto o disposto no caput do art. 85, como no inc. IX do art. 49 da CB”. Segundo Bercovici, “a eventual rejeição das contas presidenciais pelo Congresso Nacional não configura crime de responsabilidade”.

Confira a íntegra dos pareceres de André Ramos Tavares e Gilberto Bercovici.