“Não é o momento de jogar fora o que conquistamos”, diz Daniel Scioli

“Não é o momento de jogar fora tudo o que conseguimos com tanto esforço, mas é o momento de fazê-lo cada vez melhor, e estão dadas as condições para que isso aconteça”. Na última entrevista concedida antes da votação deste domingo (22) na Argentina, o candidato à presidência da República Daniel Scioli, da chapa governista Frente para a Vitória, ressaltou as diferenças que o separam do opositor Mauricio Macri, da coligação Cambiemos.

scioli - Efe

“Vamos para uma mudança, porém que seja segura, séria e responsável. Não vamos hipotecar a Argentina de novo”, afirmou, em alusão ao mote da campanha de Macri: cambiemos (em espanhol, mudança). E se colocou como “o candidato a presidente que representa os trabalhadores, as pessoas humildes e também a classe média”.

A entrevista foi concedida ao jornalista Nicolás Lantos e, em nota, o jornal Pagina/12 esclarece que também foi realizado um pedido de entrevista a Macri – para ser publicada junto como a de Scioli – mas “uma vez mais, Macri se negou a dá-la”. O texto explicativo do jornal acrescenta que “cabe ressaltar que ele tem sido coerente: desde que assumiu como chefe de Governo portenho nunca deu uma entrevista ao Pagina/12”.

Leia a entrevista na íntegra:

Pagina/12: Durante o debate, Macri o acusou de mentir quando o senhor assinalou que ele aplicaria essas políticas neoliberais…

Daniel Scioli: Em quem as pessoas têm de acreditar? Em quem votou no Congresso contra todas as propostas ou em quem agora, porque está em campanha, diz que está a favor? Ainda estou esperando que expliquem de que tipo de mudança eles falam. A única coisa que eu escuto falar é a revolução da alegria. Alegria de quem?, eu me pergunto. A alegria do Fundo Monetário Internacional? Ou a alegria do juiz [Thomas] Griesa? Porque com ajuste e uma nova desvalorização não vai haver alegria para os argentinos. Fique de olho quando tiramos o véu da palavra mudança, vamos olhar o presentinho que ela nos traz.

O grupo da oposição afirma que a desvalorização da moeda é inevitável. Existe alguma alternativa para não desvalorizar?

Esses são os setores concentrados que se beneficiam porque têm capacidade para especular. Uma desvalorização gera efeitos muito prejudiciais para os trabalhadores porque os salários rendem menos, e as coisas aumentam automaticamente. Eu tenho que defender o salário. Os custos são pagos pelos trabalhadores. Isso já foi, não podemos voltar a tropeçar na mesma pedra duas vezes. Eu garanto o valor do dólar engrossando reservas do Banco Central, não por um empréstimo com o FMI, que custa mais caro do que todos porque depois é preciso pagar com empregos, mas sim pelos acordos que consegui com o Banco Central do Brasil, com a China, com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, a Cooperação Andina de Fomento. São todos caminhos diferentes, um que vai adiante e outro que nos leva a um lugar pelo qual já passamos e não queremos voltar.

O que há de diferente na campanha do segundo turno em relação a de 25 de outubro?

Acredito que ficou bem claro do que se trata a eleição deste domingo. Então isso torna minha responsabilidade: interpretar esta perspectiva das pessoas e lhes dar a certeza, dar-lhes a tranquilidade diante da ameaça que significa a palavra “mudança”, que estejam surpreendendo em sua boa fé as pessoas para chegar ao poder e tomar decisões que vão nos fazer retroceder: ajustes, fim de subsídios, desvalorização. Então estou indicando aos argentinos para onde vamos. Vamos para mais qualidade na educação, vamos para uma maior industrialização do país, vamos partir para recuperar a YPF [petrolífera argentina], alcançar o autoabastecimento e a segurança energética, vamos para a energia renovável.

É importante explicar o contraste do que ficou em evidência. Estou convencido no sentido comum, a razão e o coração que senti nestas duas últimas semanas em toda a Argentina. As pessoas se deram conta de que não se trata de votar no amarelo [cor do Cambiemos] ou no laranja [cor da Frente para a Vitória], um partido político ou outro, mas de algo mais profundo. Trata-se de votar para que o país mantenha uma perspectiva de soberania, independência, trata-se de eleger a participação dos trabalhadores no produto interno bruto, vota-se para que se possa ter um milhão de casas a partir da recuperação dos fundos do Anses [Previdência Social], vota-se em uma agenda de ciência e tecnologia.

Qual foi a leitura que o senhor fez da mobilização espontânea das pessoas que saíram para as ruas para se manifestar apoiando sua candidatura?

Vejo uma juventude que quer sair para lutar pelo seu futuro, que tem amor próprio e autoestima, que ficou tocada com as posições do opositor, por exemplo, contra a gratuidade das universidades e a criação de novas universidades. Há pouco tempo, ao sair de um canal de televisão, havia 500 garotos me esperando. Eles poderiam estar nas baladas ou com suas namoradas e, no entanto, estavam lá me esperando, para manifestar seu apoio.

O senhor acredita que isso pode influenciar no resultado dos comícios?

Sim.  Tem um efeito contagiante extraordinário. E já supera o dos militantes de um espaço político. São comerciantes, gente da cultura, da comunidade da educação. E eu quero agradecer as demonstrações de confiança e o trabalho que estão fazendo para tomar uma posição muito clara a favor de quem vai mais defender e respeitar o seu trabalho.

Como avalia a campanha realizada pelo governo?

Aqui o importante para todos foi a questão de fundo, que é o futuro do país que se define no próximo domingo. Foi um grande esforço e passamos por uma situação muito adversa. Não é o momento de jogar fora tudo o que conseguimos com tanto esforço, mas é o momento de fazê-lo cada vez melhor, e estão dadas as condições para que isso aconteça.

O senhor não costuma falar dos líderes da oposição com nome e sobrenome, no entanto, no final da sua campanha, foi bastante duro com Jaime Durán Barba…

Creio que ele ofendeu a figura do papa [Francisco], um líder universal. Eles devem ficar incomodados com as ideias do papa, quando ele denuncia o capitalismo selvagem. Quando ele diz que o mercado por si só, pela sua lógica, não garante o desenvolvimento, nem a inclusão social. Como eles não compartilham esses valores, então saem para as ruas para desvalorizar até a palavra do papa. Espero que o jornalismo em geral faça eco desta ofensa de Durán Barba contra o papa Francisco.

O senhor soube de um vídeo em que o papa Francisco diz que vai rezar para que o “balão seja furado”? Acredita que seja um apoio à sua candidatura?

Eu nunca… Seria uma falta de respeito buscar uma interpretação, uma leitura política das palavras do papa. Eu o escuto, o respeito profundamente, e de forma alguma faria uma interpretação a uma referência de algum apoio ou de uma conclusão do que seja possível tirar de suas palavras. Mas sim eu faço eco da ofensa que foi feita contra muitas pessoas, porque é essa atitude soberba que eles têm. Eu aprendi que na vida é preciso ter muito mais humildade.