Polarização política cria a anomalia da corrupção inimputável

A acentuada polarização política é um fato que tem feito parte da vida nacional desde as eleições de 2014, portanto há mais de um ano. A prisão do senador Delcídio do Amaral (PT-MT), realizada nesta quarta-feira (25), evidencia que essa polarização ganhou um caráter contínuo, contaminando as instituições e criando a anomalia da corrupção inimputável.

Por Dayane Santos

Dr. Rosinha: Período da impunidade

Fazendo claro uso de um dos principais anseios do povo brasileiro, que é o combate à impunidade, a Operação Lava Jato tem 62 parlamentares, ex-parlamentares, dirigentes de partido, ex-ministros e governadores citados, envolvendo partidos como o PP (com mais políticos entre os investigados), PMDB, PT, PSDB e PTB.

Apesar disso, é notória a seletividade das investigações que recaem sobre lideranças ligadas ao PT. O leitor poderá pensar: se são culpados, devem ser punidos. Evidente que sim. Mas diante de uma investigação de dimensão tão ampla, envolvendo tantos partidos, porque apenas personalidades ligadas a um determinado partido são punidas?

O povo brasileiro tem essa percepção, apesar do bombardeio midiático promovido pelo consórcio oposicionista que se utiliza de vazamentos seletivos para criminalizar. Essa violação foi apontada pelo próprio Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, nesta quarta-feira (25), ao afirmar que existe um “canal de vazamento” de informações da operação, destinado a abastecer “pessoas em posição de poder”, ao se referir ao fato de que o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, possuía uma cópia de trecho do acordo de delação premiada do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, antes mesmo de o acordo ser protocolado na Justiça.

“A corrupção é algo imundo, absolutamente incompatível com a democracia. Que a justiça seja feita – mas ela nunca foi cega, aliás, sempre foi muito bem nas consultas do oftalmologista. Ela enxerga o que quer enxergar. O mínimo que devemos exigir é imparcialidade na luta contra a corrupção, independentemente de filiações representadas”, salientou a professora Esther Solano Gallego, doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Em artigo publicado no Justificando, Esther classifica a seletividade como uma “aberração e um insulto à cidadania”.

“O Brasil merece uma polícia que não se deixe arrastar pela lama política, merece operadores de direito que queiram aplicar a lei – não para reproduzir um status quo de privilégios, e sim para proteger quem não tem privilégio nenhum –, e uma imprensa que não manipule a informação de forma tão despudorada”, enfatiza a professora.

Os inimputáveis

Enquanto vemos a Justiça atuando celeremente quando se trata da Lava Jato e contra o PT, não é possível apontar o mesmo ritmo quando diz respeito a outros fatos. Vejamos o caso do mensalão tucano em Minas Gerais, que depois de ficar 11 anos parado no Supremo Tribunal Federal, a ação começou a tramitar no mês passado na Justiça em Minas Gerais, mas não saiu disso.

Uma ação penal contra o deputado estadual Barros Munhoz, do PSDB de São Paulo, prescreveu em abril, depois de três anos parada no Tribunal de Justiça. O tucano foi denunciado por apropriação e desvio de recursos públicos quando foi prefeito de Itapira (SP), entre 1997 e 2004.

O trensalão do PSDB em São Paulo também está com o inquérito parado há um ano, sem nem sequer ter protocolado a ação penal. Com isso, os crimes de corrupção, que prescrevem em 16 anos, já podem levar o trensalão para o arquivo dos impunes.

Tudo isso demonstra que não há respeito ao princípio da isonomia, isto é, fazer valer o ditado popular de que “pau que dá em Chico dá em Francisco”. O brasileiro anseia por uma Justiça que assegure o Estado Democrático de Direito, não a que dê inimputabilidade da corrupção de uns e execre outros. Portanto, combater a corrupção é um avanço necessário para a consolidação da democracia e da cidadania. Fazer uso desse dever para atender interesses alheios ao da Nação é se colocar no mesmo nível dos criminosos.

Quando se trata de lei, os fins não podem justificar os meios, ainda que estejamos cansados da corrupção e da impunidade, pois quem perde é a Justiça. A lei e as garantias constitucionais não podem ser usadas de acordo com conveniência ou satisfação de um grupo em benefício de outro.

Assim como qualquer cidadão, o senador Delcídio Amaral deve responder e se defender sobre as acusações que lhe são imputadas. Mas que a Justiça não seja seletiva.

“Se quisermos essa justiça imparcial, ou pelo menos não tão ostensivamente parcial, todos nós devemos lutar por ela. As cadeias-masmorras nunca deveriam ser um instrumento higienista, eleitoral, de uma seletividade penal escandalosa. A seletividade mata qualquer possibilidade de justiça”, salientou Esther Solano Gallego.