Douglas Germano, o anônimo mais notável do samba de São Paulo

Na certidão de nascimento ele é Douglas Germano. Nas rodas de malandragem é o Cuca. É assim que aparece o nome dele no samba Vida Alheia (em parceria com Carica), gravado em 1991 pelo grupo Fundo de Quintal. Na relação de músicos que gravaram suas composições estão ainda Carlinhos Vergueiro, Fabiana Cozza, Adriana Moreira, Criolo, Juçara Marçal, Kiko Dinucci, Karina Ninni, Marcelo Pretto, Juliana Amaral e mais recentemente Elza Soares. 

Por Railídia Carvalho

douglas germano - Acervo Pessoal

Nesta quarta-feira (2) em que se comemora o dia nacional do Samba, o portal Vermelho entrevistou Douglas para conhecer um pouco da trajetória artística desse paulistano de Pinheiros. “Hoje lá é jardim Europa. A minha mãe morava na rua Grecia, 360, uma ruazinha que fica exatamente em frente ao shopping, em uma casa que meus avós, que vieram de Portugal, compraram com moedas”, lembrou.

Reservado, quase anônimo para o grande público, avesso à ideia corrente de sucesso, antítese do perfil do sambista do chapéu panamá, boina (gosta de usar boné), as histórias dele relembram nomes da velha guarda do samba e principalmente falam de uma geração, militante do samba, formada em São Paulo e voltada para a divulgação dos trabalhos autorais.

Aos 47 anos de idade e com mais de 30 de vida no samba, Douglas tem dois cds, um gravado virtualmente chamado Orí (não saiu o produto físico), com o qual ele concorreu ao Prêmio da Música Brasileira como melhor cantor (2011), e o Duo Moviola em parceria com Kiko Dinucci. Neste ano começou um novo trabalho, que deve ser lançado no início de 2016.

“Se virou é porque as pessoas gravam, cantam e falam. Eu fico feliz pra caramba. E o Ó do Borogodó é um dos responsáveis por isso”.

Douglas se apresentou no bar Ó do Borogodó, na Vila Madalena, de 2005 a 2008 com o bando Afromacarrônico. Em 2013 foi convidado pelos irmãos Stefânia e Leo Gola a retornar. Ele se apresenta desde então todas as últimas sextas-feiras do mês cantando sambas autorais.

Nenê

Batuqueiro de mão cheia, formado na bateria da Nenê de Vila Matilde, violonista e cavaquinhista, Douglas herdou o ofício de músico do pai. Seu Germano era percussionista e tocava em conjuntos de samba.

“Um dia ele me levou no ensaio da Nenê e eu fiquei do lado da bateria. Fiquei louco. Como eu já tocava um pouco meu pai pediu ao mestre Divino para eu tocar. Fiz a peneira e passei. Devia ter uns 12 anos”, contou.

O cantor e compositor Armando da Mangueira também é lembrado por Douglas. “Eu adorava o Armando ele era o cantor dos conjuntos de samba em que meu pai tocava. Convivi muito com ele”.  Douglas também admirava seu Nenê mas disse que só sentou pra conversar com o sambista um pouco antes dele morrer.

“Ele era severo mas tinha um coração de ouro”. Segundo Douglas, a escola preservava aquelas práticas sociais nascidas no meio do povo do lugar. “A Nenê era um lugar de resistência, da consciência negra. Tinham orgulho em ser da zona leste”, observou.

Contemporâneos

Em 1987 Douglas fez o primeiro samba. Era um enredo em homenagem a uma escola de samba de Taboão da Serra, a Unidos do Maria Rosa. Foi quando começou a se dedicar ao cavaquinho. “Eu e o Luizinho SP compramos juntos cavaquinho e começamos a tocar no mesmo período. Nessa época a gente jogava futebol no time Meninos do Taboão da Serra”.

Foi nesse período que o apelido que vinha de casa passou a ser a forma como Douglas ficou conhecido. “Esse apelido é porque minha dizia que quando eu nasci a moleira latejava demais. E quando joguei no Meninos do Taboão o filho do técnico também era Douglas daí eu que tinha apelido fiquei como Cuca”.

Nos anos 90 as rodas de samba, espaços como o bar da Beth (Atotô Abaluayê), no centro de São Paulo, e o Butequim do Camisa estimulavam os novos compositores. “O pessoal era muito curioso com esse negócio da composição e no camisa dava pra ir lá cantar seus sambas e todo mundo começou a compor. Nessa época eu morava no centro e o Paquera (fundador do Samba da Vela) chegava lá depois da aula de mestre Cuca e a gente fazia dois, três sambas na noite”.

A gravação da música Vida Alheia foi uma reviravolta. “O Carica mostrou o samba pra o Arlindinho, que decidiu gravar. Dai o Carica baixou um dia lá em casa às 2h30 da manhã, enlouquecido, dizendo que o fundo ia gravar o vida alheia. Depois qualquer lugar que eu ia tinha que cantar esse samba”.

Teatro, Cd, Mutirão do Samba

Apesar da efervescência do samba, Douglas sempre fez trabalhos de publicidade em paralelo a música. E foi através deste trabalho que ele conheceu o violonista Ruy Weber e o flautista João Poleto, figuras importantes no incremento da formação musical e profissional de Douglas.  

“Eu tinha uma frustração que fazia as músicas e ia tudo pra gaveta. No teatro eu via a música acontecer. Fiz música pra 14 espetáculos”. Em 2003 Douglas foi indicado ao prêmio Shell de melhor composição para teatro ao lado de André Abujamra e Livio Tragtenberg.

Mergulhado na composição ele começou a procurar pessoas para ouvir opiniões sobre o trabalho dele. “Liguei pra muitas pessoas de credibilidade na música e enviei fitas com as músicas, entre elas o Fernando Faro que me retornou e muito gentilmente comentou música por música. Um amor, não tem outra maneira de dizer. E disse pra eu ouvir Antonio Almeida”.

Douglas disse que das outras 20 e tantas ligações mais duas pessoas retornaram: Mário Lago e Carlinhos Vergueiro. Com este último, Douglas iniciou uma parceria, que resultou em disco promocional (não comercializado ao grande público) e alguns shows no Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo. No grupo formado estavam Douglas, Gordinho Sidney Foguinho, Moreira e João Poleto.

Com o fim do ciclo dos shows, Moreira, Gordinho e Douglas e mais os recém-chegados Everaldo Éfe Silva e Paquera, formariam um núcleo pioneiro de músicos pra cantar os próprios sambas e aos poucos ir juntando “uma grana pra gravar”. 

“Naquela época no rádio só tocava sertanejo, o pagode comercial ai o Moreira disse vamos criar um mutirão do samba. Daí fizemos esse encontro que se voltou pra registrarmos as nossas coisas”, relatou Douglas.

O mutirão fazia trabalho de memória e militância editando um jornalzinho com as histórias dos compositores, as letras dos sambas. Gravaram 9 músicas com participação da cantora Cristina Buarque. Douglas lembrou que “a Cristina veio de ônibus do Rio de Janeiro e chinelinho com a camisa da Young Flu (torcida do fluminense). Fez questão de gravar com a gente”.

Douglas também destacou a importância da cantora Fabiana Cozza na visibilidade que as músicas dele conseguiram. “Ela estava em um show no Sesc Vila Mariana e me ouviu cantar Mestre Sala. Dai ela me ligou e disse que iria gravar. Ficou um arranjo muito bonito do Marcos Paiva. A Fabi  também gravou em uma faixa do Mutirão”, contou Douglas.

O Mutirão sobreviveu por dois anos e se encerrou quando a maioria dos 32 componentes optou por uma nova condução das práticas do grupo buscando obter renda através de shows, vendas de camisetas o que substituiria a ideia original de ser um espaço que estimulasse a composição. “Apenas eu, Moreira e Everaldo concordávamos em manter a ideia original mas ai o núcleo se desfez”, disse Douglas. 

Forjado no carnaval, no samba e no futebol, Douglas cria como quem preserva o legado do compositor popular brasileiro porém é também aquele que subverte a tradição e por isso mesmo dá condições de que ela seja preservada.

Ouça abaixo algumas músicas de autoria de Douglas Germano

Fabiana Cozza canta Mestre-Sala


Duo Moviola canta O reatro do artista quando pede (Douglas Germano e Kiko Dinucci)

Elza Soares canta Maria da Vila Matilde (Douglas Germano)