Cinema negro no Brasil é protagonizado por mulheres, diz pesquisadora

Com quatro sessões lotadas no prestigiado Cinema Odeon – incluindo a primeira lotação para 600 pessoas após reforma da casa, no centro do Rio de Janeiro –, o filme Kbela, de Yasmin Thainá, é um dos mais importantes representantes de uma leva de produções feitas por realizadoras negras que ganharam o mundo em 2015. São narrativas que contam com mulheres negras na direção, na produção e como protagonistas, em um terreno onde elas costumam ser estereotipadas.

Janaína Oliveira - Agência Brasil

Levantamento da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), feito em 2014, já apontava para a subrrepresentação da mulher negra no cinema nacional. Para a professora do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) e doutora em história, Janaína Oliveira, Kbela rompeu essa lógica em 2015.

Coordenadora do Fórum Itinerante de Cinema Negro (Ficine), um espaço de formação e reflexão sobre a produção de realizadores negros, Janaína afirma que Kbela não está sozinho.

Segundo a pesquisadora, que em 2015 circulou por festivais em países como Burkina Fasso, Cabo Verde e Cuba discutindo e divulgando essas produções, os filmes das realizadoras negras brasileiras alcançaram qualidade internacional e já são uma referência, embora pouco conhecidos no próprio país.

A professora, que é curadora do Festival Panafricano de Cinema e Televisão de Ouagadougou (Fespaco), o maior de todo o continente, recebeu a Agência Brasil em seu apartamento, em Santa Teresa, para conversar sobre a repercussão dessas produções brasileiras. Para ela, o cinema negro é um campo político, de luta por representação e desconstrução de estereótipos.

Em entrevista à agência Brasil, a professora explica que não dá para definir cinema negro. "É um campo político, de luta por representação, de desconstrução de estereótipos, de tornar as representações mais complexas, de ampliação de representações nos espaços mais diversos. Há quem defina, eu não defini. Definir é limitar. O cinema negro tem toda uma história, que começa nos Estados Unidos, passa pela diáspora negra, caminha por vários lugares. Por exemplo, hoje, além do samba, carnaval e futebol, temos o estereótipo da violência na favela presente. [O filme] Cidade de Deus [ambientado em uma favela e com protagonistas negros] claramente não é cinema negro. A questão é: dá para fazer imagens contra-hegemônicas, que desconstroem o estereótipo dentro de um grande estúdio de cinema ou de uma grande rede de televisão? É difícil", disse.

Segundo ela, a maior parte das produções são de curta-metragens, pois ainda são poucas as produções de longa-metragem protagonizadas por negros. "Nesse universo, onde as pessoas efetivamente produzem – seja com ajuda de editais, seja nas universidades –, o que temos, de filmes de expressão, que atingiram patamar de técnica e de qualidade são os filmes feitos por mulheres negras. E são várias", enfatiza.