Alasita, o dia que os imigrantes deixam São Paulo mais boliviana

A cidade de Santos, no litoral paulista, tem pouco mais de 400 mil habitantes. A comunidade boliviana em São Paulo tem entre 350 e 400 mil imigrantes atualmente. É como se fosse uma “Santos” boliviana inserida na capital. Eles chegam todos os dias com uma bagagem de sonhos, mas o principal deles é de voltar ao país de origem com estabilidade financeira.

Por Mariana Serafini

Festa Alasita - Mariana Serafini

Há pouco mais de dez anos os bolivianos começaram a chegar na capital em busca de uma vida melhor e mais oportunidades de emprego. Com o tempo se instalaram principalmente na região Central e nos bairros da Zona Leste, afirma o diretor do Bolívia Cultural, Antonio Andrade Vargas. Hoje eles estão inseridos e convivem dividindo espaços e explorando novos lugares, como as cidades de Guarulhos e Campinas.

Em geral, no dia-a-dia eles estão “camuflados” em meio à rotina frenética da capital, mas uma vez por ano a cidade paulista se torna um pouco mais boliviana. É no dia 24 de janeiro que a comunidade comemora a festa de Alasita, onde se celebra a fartura e a riqueza, e são feitos pedidos e agradecimentos ao chamado Ekeo, deus aymara da abundância.

A celebração consiste em ter uma miniatura (a alasita) do que se deseja abençoada por Ekeko. São inúmeros os sonhos e ambições, e cada miniatura pode ser adquirida nas incontáveis barracas típicas instaladas especialmente para a festa. Há quem compre miniatura de dinheiro (pode ser na moeda que desejar), de casa, de materiais de construção, de carro, baú de fortunas, diplomas universitários.

Estas “alasitas” então recebem a bendição dos yatiris, espécie de feiticeiros que abençoam os objetos com fumaça de incenso, vinho e álcool. O ritual é conjunto porque o dono do objeto não é apenas espectador, ele participa. O padre da igreja católica também faz parte da cerimônia desvendando o sincretismo religioso, benção da igreja católica e dos yatiris às alasitas.


É comum que as pessoas circulem pela festa com suas "alasitas" penduradas  no pescoso | Foto: Mariana Serafini


Em São Paulo a festa acontece desde 1999 e em 2014 o prefeito Fernando Haddad a incluiu no calendário oficial do município. Este ano, pela primeira vez, a Alasita aconteceu em cinco pontos simultaneamente. Todas lotaram, não só de bolivianos, mas de paulistanos curiosos que puderam, além de conhecer um pouco mais sobre a cultura do país vizinho, se deliciar com o cardápio típico e se divertir com as danças tradicionais recheadas de cores de encher os olhos.

O prato típico da celebração é o “Plato Paceño” composto por favas, milho verde e batata cozidos, além de bife e queijo fritos. Esta iguaria pode ser facilmente adquirida em muitas das barracas, que servem também outras comidas típicas de diversas regiões da Bolívia. Os pratos vão dos mais elaborados, até os lanches simples como salsichas e batatas, ou as famosas salteñas.


Independente da festa que esteja acontecendo, se existir uma mesa de pebolim eles estarão concentrados nela | Foto: Mariana Serafini


Antônio explica que a maior parte dos bolivianos vem das regiões de Oruro, La Paz e El Alto, na Bolívia, e são muitos os objetivos que os levam a abandonar seu país e partir em busca de uma nova vida. De um modo geral eles chegam no Brasil já com emprego e moradia garantidos e a partir disso começam a construir os meios para o regresso. No entanto, nem todos conseguem voltar e acabam postergando o sonho.

Segundo Antônio, não é possível afirmar que o fluxo de bolivianos que chegam aumentou ou diminuiu nos últimos anos, mas com certeza muitos estão conquistando as condições necessárias para voltar à Bolívia. “Depois de um tempo muitos conseguem mandar dinheiro e comprar uma pequena casa, um comércio, e acabam voltando. Eles chegam aqui com o sonho de ‘fazer fortuna’, mas o que realmente conquistam é uma estabilidade mediana”.


Há os que já nasceram no Brasil, e os que vieram muito jovens, acompanhando o sonho dos pais | Foto: Mariana Serafini
 

Televisões de tubo, fogões, geladeiras, guarda-roupas e outros eletrodomésticos e móveis volumosos são alguns dos objetos que eles levam embora, quando retornam à Bolívia. É fácil perceber que seria mais vantajoso economizar o dinheiro do translado destes objetos e compra-los novamente lá. Mas Antônio explica que isto significa o símbolo de uma conquista. “Eles fazem questão de levar televisões antigas, fogões normais, porque isso é fruto do trabalho deles, foi o que conquistaram aqui, é um orgulho. Então eles preferem levar, mesmo pagando caro no transporte, a vender tudo aqui e comprar novos lá”.

Muitos dos que conseguem voltar afirmam que as condições de vida na Bolívia estão melhores que há dez anos, hoje é possível trabalhar menos lá e receber o equivalente ao que se recebe no Brasil. Mas mesmo assim o sonho de riqueza ainda encanta muitos dos que estão chegando. O segundo destino, depois do Brasil, é o Chile. Antônio explica que a estabilidade econômica do país é um dos principais atrativos. “Antes eles iam muito para a Argentina, mas hoje escolhem o Chile”.


Os bolivianos deram vida e cor à fonte da Praça da República, e às outras regiões da cidade que escolheram para viver | Foto: Mariana Serafini


Passada a Alasita a vida volta ao normal, e espera-se que o novo ano seja frutífero para conquistar os pedidos feitos a Ekeko. Porém, o clima de festa e o acolhimento boliviano ainda podem ser encontrados em alguns pontos específicos da capital. Aos domingos acontece uma feira na Praça da Kantuta, no Pari e eventualmente algumas festas típicas. Durante a semana a comunidade se concentra principalmente na Rua Coimbra. Independente de quantos bolivianos chegam ou partem diariamente, uma coisa é certa: São Paulo está ficando mais rica com a cultura, os costumes, a gastronomia, as músicas e as danças que eles deixam.