Delator desdiz o que disse porque alguém disse que conhecia seu neto

Dentre todas as contradições, seletividades e até mesmo alteração de transcrição de depoimento – como apontam os advogados da Odebrecht -, o caso do empresário delator Fernando Moura é recheado de fatos estranhos.

Por Dayane Santos

Fernando Moura Lava Jato

Com o avanço tecnológico, os depoimentos são gravados para reforçar a prova testemunhal. Mas no caso da Lava Jato, os vazamentos e divulgações das imagens ganham caráter de série de suspense policial, com direito a edição com a narrativa da grande mídia.

Fernando Moura, que é acusado de ter recebido mais de R$ 4,5 milhões do esquema de propinas na Petrobras, assinou acordo de delação premiada em agosto de 2014 porque disse, entre outras coisas, que em 2005 ele procurou José Dirceu que teria sugerido a ele que saísse do Brasil e ficar fora do país até a poeira baixar.

Durante depoimento ao juiz Sérgio Moro, responsável pelo processo da Lava Jato, ele não confirmou a versão.

Moro perguntou: “O senhor mencionou que na época do mensalão o senhor deixou o país por qual motivo?”. E Moura respondeu: “Aí nessa declaração, até aí que depois que eu assinei que eu fui ler, eu disse que foi que o Zé Dirceu que me orientou a isso. Não foi esse o caso”.

A primeira pergunta que se faz é: O que tal fato, se fosse verídico, interferiria nas investigações? Baseando-se somente no que a mídia vazou é difícil de compreender.

Moura está em prisão domiciliar e não quer abrir mão dos benefícios combinados na delação, entre eles o de só ficar três meses em regime fechado, o que já teria cumprido, já que foi preso em agosto de 2015 e posto em regime domiciliar em novembro.
Ele foi ouvido novamente pelo Ministério Público, para esclarecer o que aconteceu e segundo o órgão ele disse que confessou que mentiu ao juiz no depoimento.

Vídeo divulgado no Jornal Nacional, da Rede Globo, mostra Moura com a voz embargada dizendo que mentiu porque teria recebido uma ameaça velada.

“Eu estava, eu fui fazer pra sair do despachante, estava na Avenida Nove de Julho, uma pessoa me abordou: ‘oi, tudo bem?’ Como é que estão seus netos?’. Eu falei: ‘estão bem, obrigado’. O cara falou: ‘dá um abraço no Léo e tchau’. Aí eu pensei: quem vai perguntar dos meus netos vai perguntar do pai primeiro, pra depois perguntar do meu filho. Eu fiquei totalmente transtornado com relação a isso. E eu ia negar toda a minha delação. Só não ia negar meus atos. Eu defini que ia fazer isso. Em proteção a minha família. Na sexta-feira, quando fiz essa afirmação, eu estava definido a negar ela inteira”, disse Fernando de Moura.

No entanto, bem distante de uma vítima ameaçada, no depoimento que deu ao juiz Moro ele riu e pareceu espantado quando confrontado com suas as próprias declarações feitas no depoimento anterior.

Moro perguntou se a Etesco havia lucrado com Renato Duque na estatal como diretor de serviços. Isso porque a investigação de Moro diz que a empresa prestadora de serviços de engenharia da Petrobras seria teria exigido a indicação de Duque.

“Falei isso?”, disse em tom irônico o delator, para em seguida comentar, rindo: “Assinei isso? Devem ter preenchido um pouquinho mais do que eu falei. Mas se falei, eu concordo”. O juiz o repreendeu: “Não, não é assim que funciona”.

“Ele [Fernando Moura] vai ser intimado para explicar as contradições imensas. Se mentiu, o acordo de colaboração dele pode ser anulado”, disse o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos coordenadores da Operação Lava Jato. A dificuldade é saber se Moura mentiu antes, durante ou depois.

Para incrementar o reality Lava Jato, os treze advogados que atuavam na defesa de Moura deixaram o caso nesta quinta-feira (28), após o depoimento contraditório.