As “flores do recesso” e o Troféu Framboesa do jornalismo brasileiro 

O recesso legislativo, encerrado esta semana, costuma ser uma época em que os jornais têm dificuldade para encontrar pautas. Esse período é conhecido como "flores do recesso", quando, diante da falta de assuntos, factoides são transformados em notícias. As "flores do recesso" de 2016 já têm lugar na história do que há de pior no jornalismo em termos de manipulação, mentiras e invenções.

Por Paulo Pimenta* 

As “flores do recesso” e o Troféu Framboesa do jornalismo brasileiro

Foram tantas as pérolas da imprensa brasileira, ao longo do mês de janeiro, que seria injusto se passassem despercebidas. Como é tempo de Globo de Ouro e Oscar, faço minhas indicações ao troféu Frambroesa de Ouro (prêmio que é uma paródia do Oscar e premia os piores) do jornalismo brasileiro.

Pedimos para que os leitores e leitoras sintam-se à vontade para sugerir, também, suas próprias indicações.

Pior animação: Zero Hora “se confunde” e desenha Lula no lugar de FHC em charge

O jornal gaúcho Zero Hora, do grupo RBS, é um forte candidato ao prêmio de "Pior Animação": fez charge sobre o pagamento de propina na compra da empresa argentina Pérez Companc (PeCom) pela Petrobras. Só tem um pequeno detalhe: o cartunista Marco Aurélio “confundiu-se” na hora de produzir a charge e, “por engano” desenhou Lula como receptor da propina, e não FHC – o verdadeiro receptor, segundo delação de Cerveró. Depois do “equívoco”, o jornal pediu desculpas. Lamentamos a ingenuidade do cartunista. Tão ingênuo que, ao se retratar, replicou a charge equivocada com uma nota minúscula, em letra menor ainda. Um leitor ironizou no twitter: “O @zerohora publicando novamente uma charge desonesta pra dizer que ela está errada parece o Didi Mocó dando a mão pro Sargento Pincel levantar".

Pior montagem: PF chama Lula para depor sobre medida provisória editada por FHC

Um delegado da Polícia Federal, da Operação Zelotes, é forte candidato ao prêmio de "Pior Montagem". Ele conseguiu o feito de inserir a figura de Lula em uma cena originalmente protagonizada por Fernando Henrique Cardoso. A montagem é impressionante, entre outros fatores, pelos aspectos temporais. A assinatura da Medida Provisória que beneficiava montadoras de automóveis, caminhões e tratores, é de 1997. Mesmo Lula tendo se tornado presidente apenas em 2003, esse delegado da PF conseguiu inseri-lo como personagem nesse filme. E foi um grande sucesso! A grande mídia explica que a imagem de Lula em casos de corrupção “vende bem”, embora se use sempre o mesmo roteiro de ficção. Segundo eles, os tucanos, embora sejam a fonte de inspiração dos fatos reais, não são os preferidos do PIG para estampar as capas dos jornais e os holofotes do show midiático.

Pior ator coadjuvante: Folha contrata Kim Kataguri como colunista

Autor do célebre pensamento do século 21: “Sabem as semelhanças entre as feministas e o miojo? Ficam prontas em três minutos e são comida de universitário”, o experiente Kim Kataguri, de 19 anos, ganhou uma coluna no jornal Folha de São Paulo. O único requisito para o cargo é ser contra o PT. Profissionais sérios e qualificados afirmam que, apesar de as pessoas terem se escandalizado apenas agora, esse tipo de contratação não é uma novidade.

Pior roteiro adaptado: MPF omite trecho de delação que inocenta Marcelo Odebrecht

O talento do Ministério Público Federal na adaptação do roteiro da Operação Lava Jato é inquestionável. A fim de produzir um filme mais palatável para os interesses da grande mídia, escondeu trecho da delação de Paulo Roberto Costa que inocentava Marcelo Odebrecht, em setembro de 2014. Na transcrição do vídeo da delação, omitiram-se trechos como “ele não participava disso” e “nunca tratamos de nenhum assunto desses diretamente com ele”, referentes a Marcelo Odebrecht. Na ocasião, a justiça preferiu reinterpretar a fala do delator no momento da transcrição. A verdade veio à tona. O advogado da empresa pediu para ter acesso a todos os vídeos das delações premiadas que não foram anexados aos autos nem entregues às defesas dos réus. Pode ser que encontre mais um sucesso de adaptação de roteiro e edição por lá!

Pior thriller político: Delegado visita lobista e oferece liberdade de sua esposa em troca de delação contra Lula

Mais uma vez, o mesmo delegado da PF, que conseguiu colocar Lula como personagem de uma MP editada por FHC, é cotado para um prêmio. Nessa ocasião, entretanto, temos um roteiro com elementos mais psicológicos que o anterior. Como todo bom thriller, o filme em questão envolve muita chantagem, sofrimento e mentiras. O lobista Mauro Marcondes, coadjuvante da história, é chantageado pelo delegado a fazer uma delação que incrimine um ex-presidente que está retornando à cena política, o Lula. A ameaça é que, caso o lobista se recuse a fazer a delação, sua esposa, no momento numa cadeira de rodas, será tirada da prisão domiciliar e levada à Papuda. Na trama, a grande mídia – dominada por interesses de grandes corporações – age coordenadamente com diversas autoridades na tentativa de destruir a imagem de Lula. O ex-presidente precisa ser derrotado a qualquer custo. Caso contrário, as elites passarão a dividir diversos espaços com as classes mais populares, como aeroportos, universidades, empregos. Para uma parcela muito peculiar da população, isso seria inaceitável. Curiosamente, como na maioria dos thrillers políticos no Brasil, o lado que tem o apoio da mídia venceu o primeiro episódio da história. Cristina Mautoni, apesar de estar convalescendo em uma cadeira de rodas e se recuperando de uma cirurgia, terminou levada à Superintendência da PF. Ela se encontra numa cela inadequada e sem agentes mulheres à disposição integralmente nem para prestar assistência quanto a suas necessidades fisiológicas.

Pior efeitos especiais: Jornal Nacional omite nome dos governadores tucanos que assinaram licenças de operação da Samarco

Com muita maestria, o Jornal Nacional “sumiu” com o nome dos governadores que assinaram as licenças de operação da Samarco em 2007 e em 2013, os tucanos Aécio Neves e Antônio Anastasia, respectivamente. Temos que reconhecer a engenharia de efeitos necessária para desaparecer com essas figuras da cena do maior desastre ambiental da história do Brasil. A tragédia devastou a biodiversidade e a água potável nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Diante da eficiência da Rede Globo em desaparecer com os responsáveis pelo crime ambiental em MG, muitos telespectadores ficaram se questionando se as licenças para a construção das barragens que romperam teriam sido assinado não pelos ex-governadores do PSDB de Minas Gerais, mas sim pelo “Espírito Santo”.

Pior remake: Falação premiada e Vaza Jato: os promotores permanecerão Intocáveis?

Remake da Operação Vaza Jato, digo, Lava Jato é campeão de bilheteria no recesso. Mais uma vez, informações sigilosas da investigação caem direto nas mãos da imprensa. Em todos os jornalões, estampou-se o conteúdo da falação, digo, delação premiada do ex-presidente do Partido Progressista (PP), Pedro Corrêa. E, assim como no caso do filme em que Lula é substituído por montagem pelo protagonista da cena de assinatura de medida provisória, FHC, podemos deduzir que Jaques Wagner também “vende bem” nos holofotes. Talvez seja uma sina petista ser sucesso midiático. Mesmo no caso de nenhuma informação delatada por Corrêa constituir crime, ainda assim Jaques Wagner estourou na mídia, e certamente não podia ser no papel de mocinho. A mídia repete a receita infalível ao unir PT e ficção. Já vimos esse filme várias vezes, editado em outras épocas. Mas ele é tão insistentemente repetido que o público já nem distingue mais a realidade do ficcional. Aguardamos ansiosamente o próximo episódio: afinal, o crime de vazamento praticado pelos promotores envolvidos permanece impune, não é mesmo?

Prêmio “Quem financia a baixaria?”: Parceria pornográfica entre PF e grande mídia

A atuação de setores da PF na Operação Lava-Jato em conjunto com a grande mídia já resultou em várias indicações ao que há de pior no jornalismo. O que não esperávamos, entretanto, era que essa parceria fosse dar demonstrações de vocação para categorias, por assim dizer, mais promíscuas. O talento para baixaria despontou. A PF vazou e a imprensa, por sua vez, divulgou que “ao fazer uma busca e apreensão na casa de Fernando Collor, policiais apreenderam uma mala contendo brinquedos eróticos”. A vida íntima de Collor e o que não diz respeito às investigações da Lava Jato não são de interesse público. Qual a relevância dessa maleta para as investigações da Lava Jato? O colunista e o jornal que financiaram a disseminação dessa baixaria, que em nada acrescenta ao jornalismo e à população, merecem esse prêmio.

Pior filme do ano: A canoa de Lula

A tentativa de criminalizar qualquer ato de Lula e desgastar a imagem do Presidente mais popular da história do nosso país levou a grande mídia à produção de factoides em série ao longo desse janeiro de 2016. Foi um bombardeio diário, acusações sem provas, todas rebatidas, de pronto, com documentação e transparência pelo Instituto Lula. Mas nenhum episódio da imprensa brasileira foi mais patético do que a compra de uma canoa por familiares de Lula pelo valor de R$ 4 mil, obviamente, uma aquisição incompatível para a renda de um ex-Presidente da República. “A canoa de Lula” é a síntese da decadência e da falta de credibilidade da “grande imprensa brasileira”, e a obsessão dos jornalões pela figura de Lula é motivo de piada desde as rodas de bar até às redes sociais na internet.

E para finalizar, as indicações para “Pior Ator”

– Aécio Neves em “À Espera de um Milagre”

– Beto Richa e Geraldo Alckimin em “Onde os pobres não têm vez”

– Fernando Henrique em “Prenda-me se for capaz”

– Geraldo Alckmin em “Querida encolhi as escolas”

– Eduardo Cunha em “Meu Malvado Favorito”

Na categoria “comédia”, sugerimos ainda:

– Geraldo Alckimin em “Prêmio de Gestão Hídrica da Câmara dos Deputados”;

– Beto Richa e Geraldo Alckimin em “Prêmio Veja de Educação”

Faça sua lista.