Revelações do dia em que a polícia censurou a história do Corinthians

26 de agosto de 2015, início da noite em Itaquera. Um evento histórico vai ocorrer na Arena Corinthians. Um grupo de torcedores veteranos está por repetir um ato heroico na luta contra a Ditadura Militar.

Por Walter Falceta*, no Facebook

Carlos McDowell, Antonio Carlos Fon e Eduardo Luiz Greenhalgh

Mas do que se trata? Vamos contar desde o começo, para que você, caro leitor, compreenda o episódio.

Em 11 de fevereiro de 1979, o Corinthians disputaria uma partida contra o Santos, no estádio do Morumbi.

Pois um grupo de corajosos torcedores resolveu se embrenhar na multidão para protestar contra o regime e exigir anistia para os brasileiros perseguidos pelo governo ditatorial.

A espetacular operação envolveu muita gente e contou com apoio de membros da Gaviões da Fiel.

Então, da massa de 108.990 pessoas, ergueu-se a faixa: "Anistia, Ampla, Geral e Irrestrita". Imediatamente, a polícia tentou impedir a exposição da mensagem e capturar os responsáveis pelo ato.

Não contavam, no entanto, com a resistência da brigada corinthianista, que cerrou cordões, braços dados, para impedir o avanço dos policiais.

O narrador Osmar Santos narrou o ocorrido e as forças populares e democráticas lograram divulgar ao público sua justa demanda.

Esta façanha será retratada em documentário que está sendo produzido pelo Núcleo de Estudos do Corinthians (NECO), sob liderança do companheiro Felipe Kfouri.

Para as gravações, decidiu-se que os bravos militantes de 1979, agora já em idade avançada, repetiriam seu ato, desta vez na vigência da democracia, em mais um Corinthians e Santos, desta vez na Copa do Brasil.

Como a faixa original se perdeu, o amigo Anderson Moraes tratou de confeccionar uma réplica exata, paga pelos membros do nosso coletivo.

Antes do evento, produzimos comunicados que foram enviados à Federação Paulista de Futebol e à autoridade policial. Também acertamos a integração do pessoal à Gaviões da Fiel.

O grupo chegou entusiasmado ao estádio. Ali, os companheiros José Luiz Longo, Bruna Guiseline, Rafael Castilho, entre outros.

Os militantes tinham os olhos brilhantes de emoção. Antonio Carlos Fon tinha o coração inquieto. Jornalista respeitado e ético, que ganhou os principais prêmios brasileiros da categoria, como o Esso e o Vladimir Herzog, foi um dos articuladores da ação direta de 1979.

Lá também o querido Carlos McDowell, mesmo apoiado em muletas, o destemido que foi preso naquele dia e passou uma noite infernal no DOPS.

Para completar, o conhecido corinthiano Luiz Eduardo Greenhalgh, advogado que preparou a defesa prévia dos ativistas.

Naquele jogo de 1979, na vigência do regime de exceção, os militantes conseguiram expor a faixa e divulgar sua mensagem.

No dia 26 de agosto de 2015, no entanto, na vigência do regime democrático, a Polícia Militar do Estado de São Paulo impediu o ingresso da faixa no estádio e a confiscou.

Mesmo em face do anúncio prévio, da entrega da documentação e das gestões do departamento cultural do Corinthians, a chefia do policiamento resolveu pisar na lei e impedir a livre manifestação dos torcedores.

A faixa tinha por objetivo resgatar um momento histórico para o país. Não apresentava conteúdo ofensivo, incitação à violência, crítica a árbitro ou entidade esportiva, tampouco se traduzia em protesto de natureza político-partidária.

Nossa memória foi enrolada e atirada em um canto, numa pilha de coletes, algemas e bombas de gás lacrimogêneo.

Os militantes assistiram ao jogo, mas não puderam reproduzir a ação cidadã de 1979. Triste ironia, o que foi possível durante o governo militar, desta vez não passou de utopia.

Fica a pergunta aos amigos: será que, no tucanistão, terminou mesmo a Ditadura Militar?

*Jornalista, trabalhou na Veja, O Globo, O Estado de S.Paulo, entre outros veículos da grande mídia