Redução da pena: Oficinas preparam internos para relatórios de leitura

A leitura como forma de diminuir o tempo de pena. Nesta semana, mais de 400 internos do sistema penitenciário cearense iniciam essa tentativa. Após um ano de estudos para a regulamentação da lei que institui a redução da pena a partir da leitura, o projeto entra em prática. Os livros já foram distribuídos e, nesta segunda (22) e terça-feira (23), ao longo de todo o dia, os leitores participam de oficinas que vão ensiná-los a escrever a resenha ou relatório de leitura que precisa ser entregue.

Redução da pena: Oficinas preparam internos para relatórios de leitura

Ao todo, 438 internos de cinco grandes unidades prisionais – do Instituto Penal Professor Olavo Oliveira II (IPPOO II), Casas de Privação Provisória de Liberdade II e III, Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa e Penitenciária Francisco Hélio Viana de Araújo – estão participando.

“Ao longo desta semana, vamos distribuir folders explicativos e ministrar as oficinas. Essas serão oportunidades para que eles esclareçam as dúvidas sobre o processo de leitura e sobre o relatório que eles deverão produzir ao fim de cada livro lido”, esclarece a coordenadora de inclusão social do preso e do egresso, Cristiane Gadelha.

Os participantes terão um mês para ler as obras e, ao final, deverão escrever um relatório ou resenha sobre a obra lida. Esse texto produzido será corrigido pelos professores da Escola EEFM Aloisio Leo Lorscheider, que ministra aulas dentro das unidades prisionais, e deve ter nota maior que seis para contar para a remição.

Pode ser lido somente um livro por mês. O interno que atingir nota superior a seis no relatório produzido terá quatro dias a menos na sua pena.

“É como se a gente fosse cego e começasse a enxergar“

Qual a sensação de quem não sabe ler nem escrever o próprio nome? Quais as oportunidades existentes para uma pessoa que não começou os estudos e está hoje privado de liberdade? Esses questionamentos ecoam no universo das unidades prisionais. E os números do último Censo Prisional reforçam essas indagações: 10% da população carcerária é analfabeta e a maioria dos internos (52%) tem o Ensino Fundamental incompleto.

Mas esta realidade está sendo transformada. Na última semana, graças à parceria da Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado (Sejus) e do projeto MOVA-Brasil, 21 internos do sistema penitenciário receberam o certificado de alfabetização. Desde agosto, eles tinham aulas nas unidades de Caucaia e CPPL 1.

A prova dessa centelha de mudança no sistema é a experiência do interno A. J. R., de 26 anos. Alfabetizado dentro da unidade de Caucaia, ele indica que o seu olhar se abriu para o mundo. “Ler pela primeira vez é como se a gente fosse cego e começasse a enxergar. Sei assinar meu nome, estou mais do que feliz por isso”. Ele conta que vivia pulando de escola em escola e que não frequentava as aulas, mesmo com a insistência e matrículas feitas por sua mãe. “Descobri lá fora como é desonroso não saber ler nem escrever”, conta.

Para o secretário da Justiça e Cidadania, Helio Leitão, os projetos que envolvem educação dentro do sistema são uma forma de dar alternativa às pessoas que estão privadas de liberdade. “Temos como diretriz a humanização do sistema penitenciário e a educação é o carro chefe. É isso ou elas voltam à sociedade com alta probabilidade de reincidirem no crime. Estamos valorizando o ser humano e dando a possibilidade de inclusão. Isso é inédito na gestão penitenciária no Ceará”, diz o secretário.

Maria Gisélia Lopes, professora, concorda que está na educação a “tábua de salvação” desses internos. Ela também destaca que a força de vontade deles foi o ponto fonte do processo de aprendizagem. “Eu os encorajava, mas eles se superavam, apesar de todas as dificuldades no dia a dia deles”. A professora aponta para o futuro e já tem desejos grandiosos para seus ex-alunos. “Quero vê-los futuramente na faculdade, ainda com amor aos estudos. E eu me orgulho muito de ter plantado essa semente”.

As aulas continuam acontecendo dentro das unidades prisionais a partir de março e a EEFM Aloísio Leo Arlindo Lorscheider assumirá o projeto de alfabetização nas salas de aula. Também terão continuidade as aulas que têm como foco o Exame Nacional do Ensino Médio, dando oportunidade para que mais alunos voltem a “enxergar”.