Lacerda: Com juros tão altos, indústria não tem chance

A indústria brasileira não tem nenhuma chance de se recuperar, sem a redução dos juros e a adoção de políticas que favoreçam a produção. A avaliação é de Antônio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e sócio-diretor da ACLacerda Consultores.

Antônio Corrêa de Lacerda

Em entrevista a O Financista, Lacerda enfatiza que, mesmo com o câmbio competitivo, o setor mantém um dos piores desempenhos do PIB (Produto Interno Bruto), em um processo de desindustrialização “precoce e inadequado”, e que apenas uma reversão completa dos desequilíbrios macroeconômicos do país podem tirar do vermelho o setor, há seis semestres em queda.

O Financista: O Brasil passa por uma desindustrialização precoce?

Antônio Correa de Lacerda: Sim. Ela é precoce pelo seguinte: os países que sofrem processo de desindustrialização, como é o caso dos Estados Unidos, da Alemanha e outros, já atingiram um grau de desenvolvimento em que o setor de serviços ganha maior relevância, substituindo os produtos da indústria. No caso brasileiro, esse processo de desindustrialização ocorre de uma forma precoce e inadequada, porque, na verdade, o Brasil não atingiu o seu grau de desenvolvimento que seria necessário e não se conhece outra experiência de país em desenvolvimento que tenha atingido um grau de maturidade sem a participação efetiva da indústria.

Grande parte disso decorre não apenas da pouca efetividade das políticas industriais ao longo das últimas duas ou três décadas, mas também por um longo processo de equívocos na política macroeconômica do país, especialmente na taxa de câmbio. A política cambial durante um bom período, praticamente dez anos, conviveu com um câmbio artificialmente valorizado e uma taxa de juros elevada, muito acima da média internacional.

Esses dois processos causam dois efeitos para a economia. O primeiro é incentivar as importações em detrimento da produção local e ao mesmo tempo desincentivar as exportações. O juro alto empurra as pessoas e as empresas para o ‘rentismo’ em detrimento da produção. Ou seja, é mais rentável você aplicar no mercado financeiro do que produzir.

A combinação desses fatores com a ausência (ou pouca efetividade) de políticas industriais, desequilíbrios macroeconômicos e um ambiente de negócios hostil no Brasil – com tributação complexa, burocracia demais – levaram a esse processo de desindustrialização.

Como o governo pode corrigir essas distorções macroeconômicas?

Adotar uma política cambial que reflita a competitividade do Brasil em relação aos demais países. Isso de certa forma está sendo feito desde o ano passado, com a desvalorização do real. Mas todos os outros fatores continuam presentes ou foram até agravados, como acontece com a taxa de juros. Para reverter o processo de desindustrialização é preciso ajustar todos os fatores que a causaram.

A confiança do empresário segue muito baixa. Como o governo pode estimular os investimentos industriais sem recorrer a medidas pontuais e que comprometam as contas públicas?

É muito importante para quem toma decisão no setor produtivo que exista uma constância das políticas econômicas e elas sejam favoráveis à produção e ao investimento produtivo. Por que muitas vezes um incentivo pontual não funciona? Porque todo o restante continua muito hostil para quem produz. Então é preciso que haja coerência entre o conjunto das políticas macroeconômicas e os incentivos a serem adotados. E todo incentivo tem que ter uma contrapartida, na forma de geração de produção, de exportação, de renda, ou de emprego.

A indústria conseguirá retomar sua importância na economia e aumentar sua participação no PIB?

Se as condições mudarem, temos a chance de reingressar no jogo, porque há uma disputa ferrenha entre os países por atração de investimentos, sejam domésticos ou internacionais. Com a globalização, tanto as empresas locais como as multinacionais têm opções de produzir em outros países. Para citar um exemplo, nós temos indústrias se instalando no Paraguai. Ou seja, para viabilizar uma maior participação da indústria [no PIB] é preciso que as políticas econômicas incentivem, de uma forma permanente, a industrialização no próprio país.

Como tornar o produto brasileiro competitivo nos mercados internacionais e aumentar nossa fatia de exportações no mercado global?

Todos os demais fatores, exceto a desvalorização cambial, continuam desfavoráveis. O custo de capital no Brasil é altíssimo e a tributação é muito complexa. Hoje o câmbio está em um nível adequado, mas os demais fatores perdem para a competitividade internacional. Além disso, para exportar é preciso mecanismos de proteção comercial, já que as economias na maior parte do mundo estão em retração e há uma disputa muito forte entre os concorrentes.

Após uma sequência de seis trimestres de queda no PIB industrial, quando o setor voltará a dar resultados positivos?

A indústria enfrenta uma longa crise. A produção industrial hoje é inferior à de 2007, antes da crise norte-americana. Essa crise é decorrente de todos os fatores que mencionei e tem componentes conjunturais e estruturais. Os componentes conjunturais dependem muito do restabelecimento das condições de crescimento da economia. A parte estrutural é esse processo de desindustrialização que falamos.

O PIB da indústria só vai voltar a crescer novamente quando as condições forem mais favoráveis para a produção industrial. Por enquanto, temos o câmbio como fator favorável, mas a taxa de juros no Brasil é a mais alta do mundo. Enquanto for muito mais favorável aplicar no mercado financeiro do que produzir, eu não vejo nenhum motivo para alguém se aventurar a aumentar produção no Brasil.