“Desonesto e burro”, diz Dallari sobre pedido de intervenção da Globo

Um dos juristas mais respeitados do país, o professor emérito da USP Dalmo de Abreu Dallari, classificou a ação da Lava Jato de impor condução coercitiva contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como uma “ilegalidade” e “violência”. Dallari também comentou a postura dos colunistas do jornal O Globo, Merval Pereira e Ricardo Noblat, que incitaram a intervenção militar. “Lamentável”, disse.

Por Dayane Santos

Dalmo Dallari

No domingo (6), os porta-vozes da Globo, os colunistas Ricardo Noblat e Merval Pereira, lançaram o boato sobre uma intervenção militar. Noblat dizia que os militares cobravam de seus interlocutores no meio político uma solução rápida para a crise que eles ajudaram a criar. Merval chegou a dizer que generais estavam prontos para colocar tropas nas ruas.

“Com toda a franqueza, acho que além de desonesto demonstra pouca inteligência. Em português do dia a dia diria que isso é uma burrice. Isso [intervenção militar] seria um retrocesso brutal. Felizmente esse apelo e exibicionismo antidemocrático não repercutiram. Acho lamentável e esses personagens não deveriam ter espaço na imprensa, porque não têm o senso de responsabilidade e nem a inteligência necessária para falarem ao público”, rechaçou.

O jurista também criticou a espetacularização da Lava Jato, enfatizando que a condução coercitiva de Lula foi ilegal por violar os direitos e garantias constitucionais. “Não houve intimação e ninguém disse que enviou a ele uma intimação formal. Portanto, ele não foi formalmente intimado. Então, ir à casa dele, forçá-lo a prestar depoimento configura uma ilegalidade. É uma violência contra um direito fundamental da pessoa humana. Não tenho nenhuma dúvida”, enfatizou Dallari, reforçando que não há qualquer previsão legal para tal procedimento no ordenamento jurídico brasileiro, como tentou justificar o juiz Sérgio Moro.

“É um aspecto negativo do que vem acontecendo ultimamente, em que juízes, promotores, delegados falam para a imprensa o que pretendem fazer ou que dizem o que irão fazer num processo, o que é um absurdo”, afirma ele, referindo-se aos vazamentos seletivos e à relação promíscua da força-tarefa de Curitiba e a imprensa.

Dalmo afirmou que “há uma distorção e exagero” por parte desse grupo do Judiciário. “É um preceito constitucional que o Judiciário deve agir publicamente. Deve fundamentar e expor publicamente as razões de suas decisões. Mas o que se tem visto, infelizmente, é um exibicionismo. Na verdade, juízes e membros de tribunais estão deslumbrados com a exploração feita pela imprensa”, enfatizou.

De acordo com o professor da USP, essa conduta é “muito ruim” para o Judiciário e para o país. “Claro que não é desejável um Judiciário totalmente fechado com os juízes longe do povo. É importante que o juiz esteja próximo do povo até para sentir e perceber seus valores, mas o que temos visto é um absurdo. Juízes que não resistem à publicidade. É um verdadeiro deslumbramento com prejuízo da seriedade, da respeitabilidade do seu trabalho. Agindo dessa maneira compromete a imagem e autoridade do sistema Judiciário”, acrescentou o jurista, ressaltando que é “preciso denunciar esses desvios praticados” para garantir a preservação da “dignidade e autoridade do Poder Judiciário brasileiro”.

O jurista, no entanto, acredita que as bases sólidas da nossa democracia não dão margem para retrocessos.

“Felizmente para o povo brasileiro, temos uma Constituição que é essencialmente democrática, tanto pela sua feitura como pelo seu conteúdo. É uma Constituição do povo, uma Constituição cidadã que reflete exatamente como ela foi feita: pelo povo e para o povo. E graças a isso não há qualquer risco de golpe no Brasil. Estou convencido disso”, destacou o jurista. E conclui: “A maioria das pessoas, mesmo aqueles que agora estão mais exaltados e influenciadas por um imediatismo político, se houver o mínimo risco do Brasil retroceder não vai permitir”, salientou.