Ato pela Legalidade Democrática sai em defesa de Dilma e Lula

O Ato pela Legalidade Democrática que reuniu centenas de pessoas, entre intelectuais, juristas, artistas e representantes de movimentos sociais, transformou o já tradicional reduto de progressistas, o Tuca, na noite desta quarta-feira (16), numa grande manifestação em defesa do governo Dilma e do novo ministro, Lula. 

Ato pela legalidade - Foto: Midia Ninja

O ato foi aberto pelo ator Sérgio Mamberti que, emocionado, puxou o coro de "não vai ter golpe" e de "no pasarán (não passarão), [em referência aos golpistas]".

Com capacidade de pouco menos de 700 cadeiras, o evento no Tuca, não só lotou todas os espaços, mas do lado de fora, dezenas de pessoas assistiram a reprodução do evento em um telão. Entre os depoimentos, os presentes gritavam “não vai ter golpe”.

Na ocasião, o presidente do PT, Rui Falcão, comparou o evento às manifestações da campanha das Diretas Já e à luta pela anistia e disse que considera um “absurdo” a divulgação da conversa entre a presidenta Dilma Roussef e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“Hoje nós estamos vivendo uma espécie de estado de exceção dentro do Estado Democrático de Direito e a maior prova é hoje: acabam de revelar, em um vazamento autorizado pelo juiz Moro, um grampo telefônico de uma conversa da presidenta da República com o ministro-chefe da Casa Civil, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva”, disse Rui Falcão. Segundo ele, o ato vem em defesa da democracia, contra o golpe e contra violações à Constituição.

Na mesma linha, o jurista Fábio Konder Comparato comparou a situação atual ao que precedeu a ditadura militar no país. “Estamos sofrendo uma doença muito grave, semelhante àquela que acometeu o país em 1964. Diante de uma doença, é preciso superar a análise dos sintomas e verificar as causas”.

Segundo Comparato, existem duas causas imediatas para a crise atual. A primeira seria econômica. “A situação econômica do Brasil é periclitante e não é por causa do governo brasileiro e sim por um reflexo da crise mundial”, avaliou. De acordo com o jurista, a segunda maior economia do mundo, a China, no ano passado teve o menor crescimento dos últimos 25 anos.

Outra questão que abrange a economia seria a transformação do capitalismo industrial em capitalismo financeiro. “Nós todos sabemos que um banco não produz riqueza alguma. No máximo ele pode ajudar a produzir riqueza, mas não é o que está acontecendo agora. Os bancos ganham rios de dinheiro com especulações financeiras”, disse Comparato.

A segunda causa imediata é política, disse o jurista. “É preciso entender que em um país que teve quase quatro séculos de escravidão legal, o desprezo pelos pobres, sobretudo pelos pobres negros, dificilmente acabará”, disse ao avaliar que Lula, que veio da classe proletária e assumiu a chefia do Estado, sofre preconceito de parte da população.

Dezenas de pessoas assistiram a reprodução do evento em um telão. Entre os depoimentos, os presentes gritavam “não vai ter golpe”.

A solução para a crise trata-se de um trabalho a longo prazo, na opinião do jurista. “É preciso unir o máximo de forças sociais, movimentos sociais, sindicatos, grupos intelectuais e religiosos no combate contra o capitalismo”. Um dos objetivos, segundo Comparato, é tornar o povo soberano sobre o próprio país e que não se submetam à dominação das classes oligárquicas. “Nesse país, não é o povo soberano, como diz a Constituição, soberanos são os potentados econômicos privados, intimamente ligados com agentes estatais”.

Comparato ressalta a importância dos meios de comunicação para promover a educação política da sociedade. Desse modo, o povo estaria preparado para “o exercício futuro do poder político”. “Em uma sociedade de massas, isso só se faz pelos meios de comunicação de massa”. Ele lamentou, porém, que esses meios de comunicação de massa, no Brasil, estejam submetidos a um oligopólio empresarial.

 
"Caldo tirânico"

Uma das mais importantes intelectuais brasileiras da atualidade, a professora de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) Marilena Chauí alertou quanto ao perigo das manifestações contrárias ao ex-presidente Lula e à presidenta Dilma que tomaram o país nos últimos dias. Para ela, são movimentos em defesa da “ordem e segurança” e contrários à democracia. 

Ela destacou o “caldo tirânico” do movimento, que facilita a ascensão ao poder de um governo arbitrário. Segundo a professora, os manifestantes têm uma marca de ódio e ressentimento, mas são incapazes de formular uma alternativa à política atual. “Em um primeiro momento, pode até surgir um sentimento positivo por conta da rejeição que o senador Aécio Neves e o governador Geraldo Alckmin (ambos do PSDB) receberam na Avenida Paulista, afinal, eles colheram o que plantaram. Mas é preocupante em uma análise mais profunda porque revela que esses grupos são uma massa desorganizada, deslocada de partidos e movimentos sociais. São grupos a procura de um salvador. Em outra época, eram militares, agora são juízes e promotores”, acredita.

Para Marilena, a ameaça de retrocesso no país tem três faces: esse movimento sem ideologia clara presente nas ruas, uma atuação politizada de determinados juízes e promotores contra políticos de esquerda e a bancada dos 3bs no Congresso (boi, bala e bíblia). Por conta disso, a professora de Filosofia defendeu um plano de enfrentamento da situação, com a mobilização nas ruas e uma atuação mais atenta às votações no Legislativo e a fiscalização de abusos do Judiciário.

Tentativa de golpe e defesa do país

Eugênia Gonzaga que é presidenta da Comissão nacional de Mortos e Desaparecidos Políticos, que investiga o fim dado pelo regime militar a ativistas que lutaram pela redemocratização do Brasil também participou do ato e disse estar estarrecida com a tentativa de golpe de Estado pela oposição ao governo federal. “Jamais pensei que estaria aqui para defender o País de um novo golpe.”

“Lamento que medidas judiciais que começaram repatriando milhões de dólares estejam agora servindo à dicotomia nociva alimentada pela mídia.”

Para Eugênia, o governo não pode lutar sozinha. Enquanto o golpe não é dado, “ainda temos um Estado Democrático de Direito”, lembra. “Não é um juiz que pode nos fazer desacreditar de toda uma instituição.”

Para garantir a normalidade democrática, ela sugere acionar organismos nacionais e internacionais. “É preciso recorrer ao Conselho Nacional de Justiça e usar todos os instrumentos que a gente dispõe até mesmo as cortes internacionais”, disse. “Nós podemos ser vozes isoladas, mas somos nós que vamos defender a legalidade e a democracia.”

Participaram do ato o jornalista Fernando Morais, o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas, o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) Guilherme Boulos, o ex-ministro da Fazenda, Luiz Carlos Bresser Pereira, e o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello.