Resposta a um editorial golpista e cínico da Folha de S. Paulo

O jornal Folha de S. Paulo publica editorial de capa com o título “Nem Dilma nem Temer”, alegando a presidenta perdeu as condições de governar o país. Respondo:

Por Osvaldo Bertolino*

Folha de Sao Paulo golpista

Não me surpreende essa decisão do jornal golpista, tradicional aliado da ditadura militar e um dos mentores do golpe de 1964. E não acredito no seu “pesar” por ter chegado à conclusão de que só um novo golpe salvará o Brasil da catástrofe. Fingindo o tal “pesar”, a Folha diz que nunca é desejável interromper um mandato presidencial obtido em eleição democrática, acrescentando que “ainda que por meios legais”. Puro cinismo.

Não passa de falácia e mentiras desbragadas dizer “o partido da presidenta protagonizou os maiores escândalos de corrupção de que se tem notícia”, ignorando que a corrupção faz parte do DNA da direita, inclusive da Folha de S. Paulo. Da mesma forma, não passa de desfaçatez afirmar que Dilma “se reelegeu à custa de clamoroso estelionato eleitoral”. E não passa de canalhice escrever que “seu governo provocou a pior recessão da história”. Basta olhar a situação das economias dos Estados Unidos e da União Europeia (com destaque para a Grécia, que aplicou fielmente o programa que a direita prescreve para o Brasil) para constatar essa falácia.

Todos esses adjetivos, próprios para quem faz política sem pudor, cabem para a formulação de que se formou imensa maioria favorável ao impeachment, sem considerar o papel sujo, torpe, persecutório da mídia nessa crise política. As “maiores manifestações políticas de que se tem registro no Brasil”, conforme o jornal, são resultado desse jogo rasteiro, inaceitável em uma democracia. Do mesmo modo, “as sempre oportunistas forças dominantes no Congresso que ocupam o vazio deixado pelo colapso do governo” não chegam perto do grau de vulgaridade da mídia.

A diatribe também ganha conotação de depravação ao afirmar que a administração foi posta a serviço de dois propósitos: barrar o impedimento, mediante desbragada compra de apoio parlamentar, e proteger o ex-presidente Lula e companheiros às voltas com problemas na Justiça. Opinião baseada em conclusões do jornalismo goebbeliano, fascista, e forjadas à força de repetição de mentiras para transformá-las em verdades.

Segundo o editorial golpista, mesmo que Dilma vença a batalha na Câmara não se vislumbra como ela possa voltar a governar porque os fatores que levaram à falência de sua autoridade persistirão. Quem teria essa autoridade? Esses irresponsáveis, golpistas de carteirinha, propugnam uma solução de força, um governo autoritário, condição indispensável para se aplicar o programa de governo da direita.

Ao contrário do que diz o torpe jornal, com Dilma ou com qualquer outro em seu lugar a nação seguirá “crispada, paralisada”. É forçoso reconhecer, ao contrário do que diz o malfadado editorial, que a presidenta não constitui hoje o obstáculo à recuperação do país. Pelo contrário. Só ela tem condições de formar uma coalização capaz de impedir que o país pegue o caminho proposto pela direita carcomida.

Aquela Folha desavergonhada avisa que continuará empenhada em publicar um resumo “equilibrado” dos fatos e um espectro “plural” de opiniões, mas passa a se incluir entre os que “preferem a renúncia à deposição constitucional”. Ou seja: anuncia que estará na linha de frente do golpismo, como se isso fosse alguma novidade.

E reconhece, dentro da sua linha editorial pautada pelo cinismo, que embora existam motivos para o impedimento (segundo seus critérios rotos), não existe comprovação cabal para o impeachment. “Pedaladas fiscais são razão questionável numa cultura orçamentária ainda permissiva”, escreve.
E lembra que mesmo desmoralizado, o PT (querendo dizer toda a esquerda) tem respaldo de uma “minoria expressiva”; o impeachment tenderá a deixar um rastro de “ressentimento”. Seria resistência democrática, na verdade. E faz seu malabarismo desonesto para dizer que a renúncia traduziria, “num gesto de desapego e realismo, a consciência da mandatária de que condições alheias à sua vontade a impedem de se desincumbir da missão”. É muita cara de pau! O jornal propõe, simplesmente, a rendição incondicional da presidenta aos golpistas.

A mesma “consciência” deveria ter Michel Temer, apela com cinismo invulgar, que tampouco dispõe de suficiente apoio na sociedade. E vai buscar nos céus a justificativa para tamanha torpeza: “Dada a gravidade excepcional desta crise, seria uma bênção que o poder retornasse logo ao povo a fim de que ele investisse alguém da legitimidade requerida para promover reformas estruturais e tirar o país da estagnação”.

A Folha confessa abertamente que fará pressão junto ao Tribunal Superior Eleitoral para que as contas da chapa eleita em 2014 seja cassada. Se não der por aí, ela tem outra receita de salada de pepino: “Seja por essa saída, seja pela renúncia dupla, a população seria convocada a participar de nova eleição presidencial, num prazo de 90 dias”. Para dar um ar de limpeza à sujeira, diz que é “imprescindível, antes, que a Câmara dos Deputados ou o Supremo Tribunal Federal afaste de vez a nefasta figura de Eduardo Cunha – o próximo na linha de sucessão –, réu naquela corte e que jamais poderia dirigir o Brasil nesse intervalo”.

E conclui que “Dilma Rousseff deve renunciar já, para poupar o país do trauma do impeachment e superar tanto o impasse que o mantém atolado como a calamidade sem precedentes do atual governo”. A direita perdeu o senso de ridículo, qualquer resquício de fingimento de respeito à democracia e de responsabilidade para com o país. Se ela pensa que vai tirar o país do impasse com essas manobras, é bom tirar o cavalo da chuva. Certamente não pensa; ela está pensando em soluções ainda mais traumáticas do que a que diz querer poupar o país. Foi assim em 1964.

*Osvaldo Bertolino é jornalista e escritor