Mídia sempre criminaliza torcidas e esquerda, diz fundador da Gaviões

Para Chico Malfitani a divulgação do suspeito pelos ataques contra diretores da torcida às vésperas de jogo contra o Palmeiras foi feita para "esquentar" o clima. Briga generalizada teve vítima fatal.

Evento contra o golpe reúne mais de 300 pessoas na USP

Para Chico Malfitani, um dos fundadores da Gaviões da Fiel, principal torcida organizada ligada ao clube Corinthians Paulista, a intolerância e a perseguição contra as torcidas verificadas atualmente não é novidade, mas sim repetição de um processo histórico já vivenciado por ele há 47 anos, quando iniciou o movimento que daria origem à chamada Democracia Corintiana. "Em 1969 ou hoje é a mesma coisa: as torcidas organizadas e os movimentos de esquerda foram e continuam sendo criminalizados pela mídia", afirmou durante debate com alunos da Universidade de São Paulo (USP), na noite de ontem (5).

"A organização do povo incomoda. O futebol reúne muitas pessoas e por essa grandeza as torcidas estão sendo de novo criminalizadas. Nossa torcida nunca foi só para gritar pelo time, mas também para defender o interesse do povo", disse Malfitani durante o debate Democracia Corintiana Contra o Golpe, que reuniu pelo menos 300 pessoas na Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH), da USP.

Além de historicamente a Gaviões da Fiel ter participado de movimentos pelas eleições diretas, pela anistia de presos políticos durante a ditadura militar e por uma gestão democrática dos clubes de futebol, recentemente a torcida se mobilizou para apoiar a greve dos professores e a ocupação das escolas contra a reorganização escolar do governo de Geraldo Alckmin (PSDB), que fecharia pelo menos 94 instituições de ensino.

Neste ano, torcedores vêm promovendo uma série de atos em São Paulo exigindo o fim do monopólio da transmissão de jogos pela Rede Globo e a instalação de uma CPI na Assembleia Legislativa que investigue os desvios de verba para merenda escolar na rede pública estadual. Um dia após o último ato, realizado na quarta-feira passada (30), a sede da Gaviões foi invadida pela polícia, fortemente armada.

Na mesma semana um suspeito de ter agredido diretores da torcida, dia 2 de março, após um reunião sobre o tema no Fórum Criminal da Barra Funda, na capital paulista, foi apresentado às vésperas da partida contra o Palmeiras, que terminou com quatro confrontos e uma morte no domingo (3).

Na terça-feira (5), a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo tornou obrigatória uma única torcida em jogos clássicos até 31 de dezembro, proibiu faixas e adereços e exigiu um cadastro prévio de torcedores para venda on-line de ingressos.

"A violência está banalizada na nossa sociedade. Como a Secretaria de Segurança quer um torcedor com educação escandinava se ele vem da periferia, sofre a violência policial e vivencia conflitos de facções criminosas?", indagou o fundador da torcida, criada em 1969 para reivindicar a saída do presidente do clube, o então deputado Wadih Helu, envolvido em esquemas de desvio de verbas do clube.

Na opinião dele, a divulgação do suspeito pelos ataques contra a diretoria da torcida às vésperas de um jogo contra o Palmeiras foi feita para "esquentar" o clima e justificar as medidas adotadas pela Secretaria de Segurança Pública, enfraquecendo as torcidas. "Precisamos parar de ser hipócritas falando de uma ética de aparências. Tem parlamentares que aparecem em todas as listas de corrupção divulgadas e que ainda assim estão pedindo o impeachment de uma presidenta que foi democraticamente eleita pelo povo."

O jornalista da área de esportes Juca Kfouri, que também participou do debate, concordou. "Quem perdeu não admite jogar o jogo da democracia e quer um terceiro tempo pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Sabemos que esse é um mecanismo constitucional, mas sem motivo legal é golpe. Se acham que o governo está fraco, derrotem nas urnas. O povo escolheu Dilma", disse. "Sabemos onde verdadeiramente queremos chegar: na felicidade geral do povo brasileiro e não só daqueles que há mais de 500 anos nos exploram. Não vai ter golpe!"

"É o que na filosofia se chama de ethos, que é a reação às condições iniciais", completou o membro do coletivo Democracia Corintiana, Walter Falceta, também jornalista. "O Corinthians foi criado em 1910 por operários e carroceiros. Em momentos decisivos trazemos à tona esse ethos, que já arregimentou uma luta contra a ditadura. Hoje ele volta mais uma vez para defender a nossa democracia."

A Democracia Corintiana

Foi o maior movimento ideológico do futebol brasileiro, iniciado na década de 1980 no Corinthians, liderado por um grupo de jogadores politizados como Sócrates, Wladimir, Casagrande e Zenon.

Todas as decisões importantes para o clube – como contratações, regras de concentração e direito ao consumo de bebidas alcoólicas em público – eram decididas através do voto igualitário de seus membros. O voto do técnico, por exemplo, valia tanto quanto o de um funcionário. Essa dinâmica criou um movimento de "autogestão" do time.

"Vivi dois momentos do futebol: um antes e outro depois da Democracia Corintiana", disse o ex-jogador Wladimir Rodrigues, que encabeçou o movimento no clube. "Era maravilhoso. Optávamos, decidíamos tudo por voto, até porque quem entende do futebol em campo é jogador. Até as contratações era decididas em conjunto", lembrou, durante o debate.

O movimento começou quando, em 1981, o Corinthians fazia uma péssima campanha nos Campeonatos Brasileiro e Paulista. Em abril de 1982, porém, Waldemar Pires foi eleito para a presidência do clube e escolheu como diretor o sociólogo Adilson Monteiro Alves, que primava por ouvir os jogadores e outros membros da equipe corintiana. "Hoje vejo que que estão fazendo o mesmo que a ditadura fazia e nos perseguindo por posicionamento político", reforçou Alves durante o evento.

Fonte: Rede Brasil Atual