Tirar presidenta não resolve crise econômica, diz professor da PUC-SP

O economista da PUC-SP, Antonio Corrêa de Lacerda, desconstruiu o discurso que alguns setores do mercado e da mídia disseminam de que, com uma saída da presidenta Dilma Rousseff, o país voltaria a crescer. Classificando tal visão como um “autoengano”, ele avaliou que a crise não é motivada por uma pessoa, tem amplas causas e não se resolveria de forma “milagrosa” com a mudança de presidente.

Antonio Correa de Lacerda

No programa Brasilianas, da TV Brasil, o apresentador Luis Nassif perguntou a Lacerda se os investidores acreditam de fato que um governo que assumisse a partir de um impeachment de Dilma teria legitimidade.

“Certamente não, porque se criou uma espécie de autoengano dentro da visão disseminada muito no mercado financeiro, alguns setores da mídia, de que a crise se refere a uma pessoa, que é a presidenta da República, que você tira essa pessoa e de uma forma assim milagrosa tudo se reverte”, respondeu.

Lacerda explicou em seguida que as turbulências na economia têm, na verdade, outras causas, bem mais complexas. “Nós vamos ter componentes internacionais, como a queda das commodities, tem componentes políticos e jurídicos, como por exemplo a Operação Lava Jato que travou todo o mercado de petróleo e gás, a construção pesada. Teve a elevação de juros, uma questão mais econômica. O mundo todo baixando os juros, o Brasil sobe e mantém uma taxa de juros muito alta. E, o quarto ponto, claro, a crise política”, elencou.

Segundo o professor, mesmo a crise política não pode ser analisada como algo relacionado apenas à presidenta ou ao Executivo. “Não é restrita a uma pessoa, ela é bem mais ampla, e não é restrita também ao Executivo. Se a gente for ver, outros poderes também passam por crise, e evidentemente isso não se resolve com um golpe de mágica”, analisou.

O "engodo" do Programa Temer

Crítico daquilo que está sendo chamado como “Programa Temer” para a economia, ele destaca que a plataforma contida no documento Ponte para o Futuro, do PMDB, está pautada pela ideia de que “o estado não pode gastar mais do que arrecada”. Para Lacerda, contudo, trata-se de “um engodo”.

O economista destacou, então, que todos os países que integram o G-20 – ou seja, os 20 países mais relevantes do mundo – têm déficit fiscal. “Por que tem déficit? Porque o Estado tem obrigações, especialmente em momento de crise, como o que nós vivemos, que impacta nos gastos. E, evidentemente, no caso brasileiro, o que chama atenção são os gastos com os juros, o maior que nós temos, chegam a 9% do PIB”, disse.

De acordo com o economista, há uma grande incongruência neste processo. “Essa visão de mudar, de ‘vamos diminuir o Estado’, ‘vamos cortar direitos, que os direitos sociais não cabem no PIB’, são frases muito repetitivas que mostram uma visão muito simplista do processo”, opinou. Lacerda defendeu que um país desigual como o Brasil possiu grandes deficits sociais, estruturais, que demandam “uma política de Estado competente para fazer a passagem”.

O professor reiterou que “a mudança eventual de presidente, não altera” o quadro de crise, pelo contrário. “O apoio da mídia etc, pode até criar um clima de euforia, principalmente com os mercados. Mas os problemas estarão lá, e cada vez que ficar mais claro que se trata de um golpe, haverá reações muito fortes de todos os setores que se sentirão prejudicados. Por exemplo, o lado social será fortemente afetado”, observou.

Lacerda destacou que muitas das propostas que estão sendo discutidas – inclusive dentro já no Parlamento e dentro da plataforma do PMDB – partem do princípio “de que é preciso rever o contrato social, inclusive previsto na Constituição de 88 e que, portanto, deve mudar significativamente o desempenho da própria economia”.

O economista reconheceu que, antes da segunda etapa de vazamentos da Operação Lava Jato, havia sinais da própria indústria de que o país podia estar caminhando para uma recuperação da economia. “Dava pra sentir o que mudou de positivo na economia, foi exatamente a política cambial. Depois de 10, 12 anos de um câmbio muito valorizado, ou seja, com um dólar muito barato. Quando se corrige tem o desconforto da pressão inflacionária, etc, mas você recria as bases para produção doméstica e mesmo pra exportação”, apontou.

Para Lacerda esta mudança esbarra em limites impostos pelo cenário internacional – com a estagnação da economia norte-americana e a desaceleração da China – e por fatores internos que não foram alterados, a exemplo do “custo do capital, que é basicamente juros”. “Então o crédito contraído, consumidor retraído em função da própria incerteza, tudo isso não deu espaço para evoluir”, diagnosticou.

Segundo o professor, há um clima de instabilidade que causa insegurança e pode ser fator de inibição de investimentos. “A começar pela Operação Lava Jato. Tudo mundo é a favor ao combate à corrupção, evidente. O problema é que quando você inviabiliza setores fundamentais da economia, como setor de óleo e gás mais construção pesada, você trava algo que é fundamental para o crescimento da economia”.

Lacerda lembrou que a Lava Jato afetou um conjunto de empresas que são fornecedoras, prestadores de serviços e geradoras de empregos, impedindo-as muitas vezes de operar. “Aliás a MP 703, que envolve o acordo de leniência, de dezembro, cabe até uma brecha e você ameniza um pouco o efeito, desde que a empresa se comprometa a determinadas regras de governança e compliance para ela se restabelecer, preservar o capital daquela empresa”, afirmou.

“Muita gente se empolga, principalmente o senso comum, muito disseminado também pela mídia, [defendendo:] ‘tem que acabar com essas empresas e entrar novas’. Mas isso não é automático”, criticou.

Ainda sobre as tentativas de criminalizar não gestores de empresas e, sim, as próprias empresas, Lacerda lamentou que o país esteja caminhando para confirmar um perfil nefasto que já se delineia há tempos.

“De um lado você tem, economicamente, com as taxas de juros praticadas no Brasil, um verdadeiro ensino ao ócio, porque sem fazer nada, você aplica em título público, que tem liquidez, segurança e uma rentabilidade maior do mundo. E, do outro lado, há uma insegurança muito grande de você empreender. O que vai ocorrer é que nós todos vamos nos tornar o que já nos tornamos: um país de rentista”.