Mujica contra-ataca: é hora de lutar e aprofundar a democracia

Um senhor de 81 anos que caminha vagarosamente e olha a tudo sem muita surpresa. Assim é José “Pepe” Mujica, o ex-presidente do Uruguai que ganhou o mundo com seu discurso firme contra o capitalismo. Em visita ao Brasil, esteve na sede do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé nesta quarta-feira (27) e conversou com veículos da imprensa alternativa. Seu conselho foi muito claro: “agora é hora de lutar, a autocrítica se faz com a distância do tempo”.

Por Mariana Serafini

Pepe Mujica - Foto: Toni C

Com a lucidez de quem arriscou a vida para defender seu país de uma ditadura militar (1973-1985) e aprendeu com o pesar dos anos a enfrentar desafios com menos ansiedade, Mujica nos tranquiliza: “sempre que choveu parou”, disse ao responder a questão do Vermelho sobre a crise política que atinge atualmente todos os países progressistas da América Latina.

Para o atual senador da Frente Ampla, a contraofensiva da direita é cíclica e o melhor a se fazer em momentos como este é resistir para aprofundar a democracia. Ele destaca que nestas situações “os partidos políticos são imprescindíveis”, porque é a organização coletiva que nos dá suporte para avançar nas conquistas sociais sem estar à mercê de ideais individualistas. “Não fossem os partidos, qualquer cantor que surge por aí, ou um jogador de futebol pode se candidatar. É necessária uma decisão coletiva, um projeto e aí sim uma pessoa que vá representar este projeto.” Os partidos de esquerda devem “ter humildade estratégica” e tomar decisões coletivas que todas as pessoas entendam, “não necessariamente concordem”. “Voto pelos partidos, reconhecendo todos os defeitos que tenham.” 

Assim como no Brasil, os outros países progressistas, entre eles a Argentina e a Venezuela, sofrem crises políticas impulsionadas com o mesmo discurso de combate a corrução, facilmente assimilado pela população. “A crise política é um câncer, mas não um desastre, porém é utilizada pela direita. É lógico que cometemos erros, mas agora é tempo de lutar.” 

Questionado sobre ascensão apenas pela via do consumo, e não educacional, que aconteceu na última década, Mujica é enfático: “A classe média que emergiu, mas não sabe porquê, não sabe que foi por causa dos programas sociais. Mas isso não está mal, porque pelo menos melhoraram de vida e está bem melhorar a vida das pessoas”. E explica: “Aumentar o poder aquisitivo não é, necessariamente, aumentar a consciência e a pobre classe média sempre tem medo de cair”. Em momentos de crise o individualismo se acirra de forma a transformá-los em verdadeiros pandemônios, como acontece agora no Brasil. Por isso o desafio é “ter coragem de recomeçar sempre, aprendendo com os erros” porque “os derrotados são os que abaixam os braços”.

“A batalha da integração é a batalha do desenvolvimento”

Para Mujica, o sentido da vida é ter uma causa a defender, e no alto de suas oito décadas, ele se dedica a lutar pela integração continental porque acredita que desta forma será possível fortalecer a democracia, ampliar os direitos e a inclusão social. “A grande questão da América Latina é a integração em um mundo que se mostra cada vez mais poderoso.” 

Ao consolidar mecanismos de integração como o Mercosul, a Unasul e a Celac, por exemplo, a América Latina tem condições de enfrentar os grandes blocos econômicos, como a União Europeia e a Aliança do Pacífico. Mujica acredita que este seja o grande desafio do nosso tempo. “Até a Europa com suas diferenças, suas guerras milenares e idiomas que não se entendem entre si conseguiu construir uma unidade”, pondera. Por isso ele defende que “a batalha da integração é a batalha do desenvolvimento e a riqueza mais importante é o conhecimento”.

“O triunfo da vida é caminhar”

Questões existenciais como “de onde viemos”, “para onde vamos” e “qual o sentido da vida” parecem dominar também os pensamentos de Dom Pepe. Foi com este mote que ele abriu sua explanação, expôs as contradições humanas: “Somos seres imperfeitos que não podem viver na solidão”; e questionou a importância do capital diante de questões maiores. “Se analisarmos a nossa vida, certamente as decisões mais difíceis que tomamos não estão relacionadas à economia. Isso não significa que não somos ligados à economia, mas que existem outras coisas mais importantes.” 

E para ele, estas coisas mais importantes são as causas que escolhemos para defender em vida, pois é isso que nos transforma em seres, mesmo que imperfeitos, capazes de viver em sociedade. “Se não, o que seremos? Compradores de supermercados? Pagadores de tarifas de cartões de crédito? Vamos dedicar 4, 5 horas diárias de nossas vidas a sustentar o capital?”, questiona.

E também responde: “Nunca triunfamos completamente na vida, o triunfo da vida é caminhar, não há um prêmio no final, a beleza é ter uma causa. Tento plantar uma semente: cometam os erros de seu tempo, não do nosso”.

O poder transcendental da política

Admirado por seu estilo de vida “desapegado” de acúmulo de bens materiais, Mujica costuma afirmar que se ingressou na política foi para lutar por justiça social e quem busca lucro deve fazê-lo por outros meios. “A política não é para enriquecer, é uma paixão superior, é um interesse maior, é um carinho pelas pessoas e isso não se compra com dinheiro.” 

Ele ressalta, porém, que esta é uma opção de vida e respeita os que pensam diferente: “Os que gostam de dinheiro que trabalhem em suas indústrias, em seus comércios, enriqueçam e paguem impostos!”.

Esclarece que sua opção de vida foi desde sempre lutar pelo bem coletivo. E sua trajetória nos mostra exatamente isso, um guerrilheiro Tupamaro que na juventude pegou em armas para defender a democracia e a liberdade em seu país, por três vezes foi preso e passou 14 anos no cárcere. Quase que parafraseando a Pequeña Serenata Diurna de Sílvio Rodríguez que diz: “sou feliz, sou um homem feliz e quero que me perdoem por estes dias, os mortos de minha felicidade”, Mujica afirma: “Sou feliz e morrerei feliz porque vivo o sonho que caminho”.