Caso de estupro coletivo pode ser investigado como crime federal

Por ter suas imagens pornográficas compartilhadas na internet, o caso de estupro coletivo sofrido por uma adolescente de 16 anos em uma favela da Zona Oeste do Rio de Janeiro no domingo passado (22), ganhou repercussão mundial e também deverá ser investigado como crime federal. A vítima entrou no programa de proteção à testemunha e teve advogada dispensada neste domingo (29). A Delegacia de Criança e Adolescente Vítima assumiu o caso.

estupro coletivo

Em entrevista à imprensa, neste domingo (29), a jovem e sua advogada Eloisa Samy denunciaram a forma de condução do caso do delegado titular da Delegacia de Repressão a Crimes de Informática, Alessandro Thiers. Segundo Samy, quando a vítima prestava depoimento, o delegado fazia perguntas que não condizem com o fato e dessa forma, segundo ela, criminalizava a vítima.

O caso tomou novas proporções, neste fim de semana, após a advogada ter entrado no sábado (27), com um pedido ao Ministério Público para que o inquérito fosse desmembrado, sendo que a Delegacia de Repressão a Crimes de Informática ficaria apenas com o casos dos vídeos que foram divulgados em redes sociais. E o crime de estupro seria investigado pela Delegacia de Criança e Adolescente Vítima (DCAV).

A justificativa é que o fato de o interrogatório ter sido realizado na presença de mais dois homens, sem um titular da delegacia da Criança e sem uma psicóloga ou assistente social foram erros que não deviam ter sido cometidos pois podem comprometer a parcialidade no processo. Com isso, a solicitação de desmembramento foi aceita pelo Ministério Público do Rio (MP-RJ).

Á imprensa, a vítima contou que não se sentiu bem ao prestar depoimento à delegacia. "Foi horrível porque eles me culparam por uma coisa que eu não fiz. Ficaram perguntando porque eu estava lá, se eu tinha envolvimento, se já tinha feito sexo grupal. O delegado estava querendo me botar de culpada de todas as formas. Aí, eu parei de responder às perguntas, porque eu não era obrigada", disse após prestar três depoimentos à polícia. 

Em outra entrevista, a jovem reclama de como o delegado iniciou o interrogatório. "Ele chegou dizendo 'Me conta aí', sem nem perguntar como eu estava, se estava bem", disse.

A menor declarou que passou todo o sábado (21) com seu namorado, Lucas Duarte dos Santos, mas quando acordou no domingo (22) estava com quatro homens ("um embaixo de mim, outro em cima e dois me segurando") e que ela chorava e pedi para eles pararem. "Eles continuavam tendo relações comigo, mesmo eu gritando e chorando". A vítima disse ainda que não reconheceu a casa onde o crime foi cometido e que um conhecido tirou ela do quarto e da casa e que no caminho ela contou 28 homens, armados, mas saiu de lá, com ajuda, cinco a dez minutos após ter acordado.

"Me sinto culpada"

"Todos os dias quando eu acordo eu me sinto culpada. Eu me sinto culpada por usar um short curto", disse a adolescente quando foi questionada sobre seus sentimentos em relação ao fato. Ela voltou a agradecer às mensagens de apoio que recebeu de milhares de pessoas, por meio das redes sociais. "Eu quero ajudar o máximo de pessoas que eu puder. Mas para aonde eu vou, o que vou fazer da minha vida, eu não sei."

Agora quem assume a investigação é a delegada Cristiana Bento, da DCAV. Ela já está analisando as provas colhidas no inquérito policial, incluindo depoimentos e diligências feitas pela Polícia Civil, para decidir quais serão os próximos passos da investigação.

No vídeo que circula nas redes sociais, a jovem aparece nua, desacordada e com comentários de garotos que dão a entender que ela foi estuprada. Nas imagens, dois homens exibem partes íntimas da adolescente. Além da gravação, há ao menos uma foto de um homem à frente do corpo nu da garota.

Exames

A primeira perícia feita pela vítima foi divulgada nesta segunda-feira (30) apontou que não houve indícios de violência, portanto, a vítima já havia dito que demorou para fazer o exame. Em entrevista ao programa da Rede Globo, o chefe de Polícia Civil, Fernando Veloso, disse que “não há vestígios de sangue que se possa perceber pelas imagens que foram registradas. Eles (os peritos) já estão antecipando, alinhando algumas conclusões quanto ao emprego de violência, quanto à coleta de espermatozoides, quanto às práticas sexuais que possam ter sido praticadas com ela ou não”.

Pornografia infantil

Desde 2004, o Brasil é signatário da Convenção sobre os Direitos da Criança referente à venda de crianças, à prostituição infantil e à pornografia infantil da Organização das Nações Unidas (ONU). Assinado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei refere-se à pornografia infantil na internet (rede mundial). Por entender que se trata de um crime federal, o procurador Daniel Prazeres, do Grupo de Combate a Crimes Cibernéticos da Procuradoria do Rio, do Ministério Público federal, disse que vai pedir cópias do inquérito à delegada Cristiana Bento, que assumiu o caso. Segundo Prazeres, o caso é competência federal porque envolve a gravação e distribuição de pornografia infantil na internet.