Penélope Toledo: Vamos falar sobre machismo?

Um frangaço. Assim podem ser definidas as postagens com teor machista publicadas nas redes sociais pelo terceiro goleiro do Corinthians, Matheus Vidotto. Fã declarado do deputado Jair Bolsonaro, que homenageou um torturador conhecido por estuprar mulheres utilizando ratos durante a ditadura militar, o arqueiro minimizou as situações de violência implícita de gênero, desmereceu o movimento feminista – que luta pela igualdade de direitos – e debochou de suas bandeiras de luta.

Por Penélope Toledo*

Mateus Vidotto, terceiro goleiro do Corinthians
Que tempos são estes,
em que temos que defender
o óbvio?
(Bertolt Brecht)

Diante da instantânea reação feminina, encabeçada pelos movimentos Toda Poderosa Corinthiana e Democracia Corinthiana, o arqueiro e seus defensores na sociedade acusaram as mulheres de exagero e tentaram, como é de praxe entre os machistas, inverter as responsabilidades e transferir a culpa às vítimas, as acusando de perseguição. Situação análoga à que aconteceu no caso do estupro coletivo no RJ, em que a vida da vítima, escancarada e tornada pública, é usada como justificativa ou atenuante para o crime.

Nos dois casos, o que se tem é a cultura do estupro. A banalização das atitudes machistas, a naturalização dos pensamentos e comportamentos misóginos. Antes de tudo, por mais óbvio que pareça, é importante que se reforce: a culpa de qualquer violência de gênero, incluindo o estupro, nunca é da vítima. Não importa quem ela seja, o que faça, como se vista, que hábitos possua, onde esteja, qual o seu passado, mulher nenhuma merece ou pede para ser agredida. Ponto final.

Dito isto, voltemos ao episódio do goleiro corinthiano. A reação feminina não é exagerada, pois ao disseminar ideias machistas – e posts nas redes sociais disseminam ideias, – o que se faz é reforçar o pensamento coletivo de que as mulheres não precisam ser respeitadas, não têm direitos, denunciam o machismo porque são vitimistas, o feminismo é algo ruim etc. Imperando estes consensos sociais, estupros coletivos e outras violências de gênero são apenas consequência.

Para se ter uma ideia sobre os números alarmantes da opressão de gênero no Brasil, 405 mulheres são agredidas por dia, média de uma agressão a cada cinco (!) minutos, segundo o ‘Mapa da Violência – Homicídio de Mulheres’. A cada duas horas uma mulher é assassinada, contabilizando 372 mulheres mortas por mês, de acordo com o Instituto Avante Brasil (IAB), o que revela retrocesso, pois na década de 1980, era um feminicídio a cada seis horas. Já os estupros acontecem a cada 11 minutos, 131 mulheres por dia, 48 mil por ano, informa o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Estes dados só dizem respeito aos casos registrados formalmente, porcentagem inferior a 50% em todas as situações, já que muitas mulheres não registram queixa e nem se dirigem aos postos de saúde, o que significa que este número é muito superior. Ou seja, até o final da leitura deste texto, mulheres terão sido agredidas, estupradas, assassinadas.

Espero que o goleiro compreenda que fazer apologia ao machismo é pior que tomar frango. O machismo faz mulheres sofrerem, sentirem dor física e psicológica, passarem por traumas irremediáveis, morrerem. Este garoto precisa entender que é uma figura pública e, como tal, forma opiniões. Precisa, ainda, conhecer a história do Corinthians e perceber a contradição entre seus pensamentos e a belíssima biografia do clube, pelo qual passaram Sócrates, Wladimir, Biro-Biro, Zenon…

Espero também que ele e todos os homens e mulheres percebam urgentemente que é muito fácil se chocar com números alarmantes e se escandalizar com a situação gritante que é o estupro coletivo, porque dói na alma, impossível não se sensibilizar. Mas é preciso se indignar igualmente quando uma mulher é assediada, quando é chamada de “vadia” e afins, quando é agredida, quando tem salário inferior exercendo a mesma função do homem. Porque o problema é o mesmo: opressão pelo simples fato dela ser mulher.