Em prova do MP, promotor diz: estuprador “ficou com a melhor parte”

A BBC Brasil teve acesso a uma gravação da prova oral para ingresso no Ministério Público do Rio de Janeiro em que um promotor público, que atuava como examinador, afirmou durante uma das perguntas que o estuprador ficou “com a melhor parte [no crime], dependendo da vítima”.

vítima de estupro coletivo no rio - Gabriel Paiva / Agência O Globo

A afirmação foi do promotor Alexandre Couto Joppert que, durante a prova, descreve a atuação de cada um dos criminosos em um caso hipotético de estupro. “Um segura, outro aponta arma, outro guarnece a porta da casa, outro mantém a conjunção – ficou com a melhor parte, dependendo da vítima – mantém a conjunção carnal, e o outro fica com o carro ligado para assegurar a fuga”, disse ele.

A conduta provocou grande indignação no meio jurídico fluminense e repercutiu também nas redes sociais. Em entrevista à BBC, o procurador minimizou a declaração afirmando que foi mal interpretado e que sua fala buscou apenas descontrair o ambiente da prova, que costuma ser muito tenso para o candidato.

Ouça o áudio obtido pela BBC Brasil:

“Essa frase, talvez ouvida fora do contexto, pode dar uma ideia errada. Eu quis dizer ‘a melhor parte’ não na minha ótica, obviamente. A melhor parte na ótica da mente doentia do criminoso. Em todo o estupro, o objetivo principal do criminoso, naquela patologia psíquica que ele tem, é alcançar a satisfação da sua lascívia. Como no estelionato a melhor parte a é obtenção da vantagem indevida”, disse Joppert.

“Até porque para mim, eu acho que em qualquer pessoa digna, não existe melhor parte no estupro. Todas as partes são totalmente odiosas”, completou.

Ele tentou ainda explicar que no momento em que disse que a conjunção carnal no estupro seria a melhor parte “dependendo da vítima”, se referia à capacidade de reação da vítima. “Quando eu falei aí num tom jocoso, para descontrair o candidato, ‘dependendo da vítima’, eu quis dizer por exemplo se fosse uma vítima lutadora de MMA nem a melhor parte para seria, pois ele estaria em maus lençóis.”

O promotor disse ainda que é vítima de uma perseguição. “Nossa Senhora, isso já me deu um aborrecimento interno que você não faz ideia. Estou muito sofrido até com isso. Mas de qualquer sorte, como houve incômodo por parte de alguém, eu peço publicamente desculpas pelo mal-entendido”, declarou o promotor.

Diante do absurdo, o Ministério Público do Rio decidiu instaurar procedimento para apurar a conduta de Joppert. A instituição também disse que, “a pedido do referido promotor, foi ele afastado cautelarmente da banca examinadora até a conclusão da apuração dos fatos”.

Em entrevista à BBC, a antropóloga Jacqueline Muniz, professora do departamento de Segurança Pública da faculdade de Direito da UFF, afirmou que a fala do promotor reforça a cultura do estupro em nossa sociedade.

“Ele incitou mais uma vez a prática de estupro, portanto é chocante que isso venha de segmentos do Ministério Público que representam a sociedade. É como se a atitude dele fosse duplamente violenta: ela por si mesmo reitera a lógica da cultura do estupro, e a outra pela posição que a pessoa ocupa, certamente fere decoro e ética de sua função”, disse a professor. “É no mínimo moral e eticamente duvidoso essa postura num concurso público. Espera-se que ele se retrate publicamente e responda aos mecanismos de controle”, acrescentou.